08 fevereiro 2007

Reverso de uma mesma medalha?

Salazar auto-glorificou-se como protector do Ocidente, como barreira à expansão do comunismo, elevado a fonte de todo o mal, como se Portugal fosse o único oásis de paz num mundo dominado pela barbárie.
Os velhos republicanos cada vez se mostraram mais isolados e incapazes de conquistar novas adesões. Muitos outros pensaram que seria melhor esperar pelo desenrolar dos conflitos no exterior para ver a influência que eles teriam cá dentro.
Muitos se foram desmoralizando e nem a euforia duma vitória sobre o nazismo durou o suficiente para estruturar qualquer oposição. Com a radicalização americana, Salazar pode resistir a uma queda que parecia inevitável, sobrevivendo quase orgulhosamente só.
Só os conflitos nas colónias acabaram com o mito da paz, que afinal vinha apodrecendo pelo próprio cerne do regime e levaria ao levantamento militar de 25 de Abril. Mas nem aí uma mistificação, que tinha durado perto de quarenta anos, acabou e Salazar pode vir a ser o Melhor Português.
Mas se Salazar criou um mundo à sua imagem, a oposição militante teve necessidade de sobreviver nesse mundo, de se adaptar a ele, às suas artimanhas e armadilhas. E de criar um outro mito que lhe desse luta.
Cunhal dedicou de igual modo uma vida a uma causa. E sempre, em qualquer situação, estava a fazer o contraponto possível ao ditador que, como tal, estava em posição privilegiada.
Lamentavelmente Cunhal aproveitou-se da clandestinidade para justificar a sua prepotência. Aproveitou-se dos deméritos de Salazar para criar uma figura fictícia que se contrapusesse em todos os aspectos ao ditador, facto de todo impossível, mas a que o povo se “deveria” render, por ele ser o representante mais audaz do seu sacrifício.
Esta renhida disputa pela eleição televisiva do Melhor Português é a manifestação de uma luta que enquanto de vivos foi heróica, enquanto de herdeiros foi patética, mas enquanto de mortos é caricatural.
Se tem sido difícil a Portugal desfazer-se destas margens tão apertadas para, como um rio, crescer livremente, ainda há na imaginação lusitana militante uma mitologia decrépita e ultrapassada.

Sem comentários:

Aqui pode vir a falar-se de tudo. Renegam-se trivialidades, mas tudo depende da abordagem. Que se não repise o que está por de mais mastigado pelo pensamento redondo dominante. Que se abram perspectivas é o desejo. Que se sustentem pensamentos inovadores. Em Ponte de Lima, como em todo o universo humano, nada nos pode ser estranho.

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"Big Man" 1998 (1,83 de altura) - Obra de Mueck

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