19 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (44)

Em relação ao fundamental da personalidade individual o PREC não alterou nada. Como havia que tomar e fazer com que os outros tomassem decisões rápidas, o essencial era preparar as mentes para escolhas simples em que depressa se chegasse a um redutor Sim/Não que tornasse tudo irreversível no caminho previamente escolhido por quem geria/dominava a informação.
Explicar a sério o passado era demasiado complexo e não criava as reacções emotivas que interessavam ao momento. O melhor, pensavam, era colocar o passado numa nebulosa em que os figurantes pudessem mudar de papel, ora aparecendo subitamente com um manto de heróis ora com uma capa de vilões, conforme as conveniências. As personalidades reais, viam assim diluídos os contextos e, ou se agarravam firmemente aos seus alicerces originais, ou acomodavam-se como podiam num cenário quase desconhecido.
Velhos defensores até às últimas de um regime moribundo ou pessoas penalizadas pelo regime anterior, mas por razões de desonestidade e deslealdade para com o seu semelhante, apareceram subitamente como os maiores democratas de sempre, desde o berço e, se necessário fosse, três gerações atrás. Antifascistas incómodos que sempre haviam sido prejudicados eram enxovalhados por pretensamente terem beneficiado de algo.
A grande maioria do povo que sempre estivera alheado das lutas políticas levava isto a título de disputa que lhe não dizia respeito. Mas houve sempre quem se envolvesse nesta luta em cenários estereotipados e fosse induzida a copiar métodos, imagens, roupagens. Já a respeito de participação ficava-se apenas pelo nível do atrevimento. Sempre contaram com ele para que não fosse necessário muita convicção para manifestar alguma valentia.
Contavam que maior número de pessoas se desprendessem de valores pessoais, que estes não estivessem afinal tão arreigados, os ideólogos de direita e esquerda previram um comportamento estereotipado e determinista. Em parte enganaram-se. A nebulosa sobre o passado teve um efeito nefasto. O atrevimento era menos que o esperado e não entusiasmou a maioria. A percentagem que a esquerda mobilizou não foi suficiente para uma revolução.

18 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (43)

Os sindicatos de antes do 25 de Abril de 1974 faziam parte de uma estrutura dependente do Ministério das Corporações e eram controladas pela polícia política. De nível distrital e por sector de actividade não desempenhavam qualquer papel reivindicativo. Mesmo assim o PCP tentou várias vezes furar o controlo, tarefa em que teve algum sucesso não conseguindo no entanto impedir as infiltrações em sentido contrário.
Um controlo menos apertado deu origem no tempo de Marcelo Caetano à criação da Intersindical Nacional com seis sindicatos que pretendiam uma estratégia comum. Com o 25 de Abril o PCP passou a controlar todo o movimento sindical através principalmente da adesão voluntária à Intersindical Nacional (CGTP-IN).
Embora adoptasse o modelo dos sindicatos verticais e nacionais o PCP não o impôs de imediato. No geral em 1974 os sindicatos tiveram um papel de contenção, na tentativa de enquadrar as lutas sociais dentro dos parâmetros consentidos pela luta política. Com o 28 de Setembro de 1974 e a primeira grande derrota da direita, com o aumento do controlo da situação política por si, o PCP tentou solidificar a estrutura sindical com a lei da unicidade sindical.
Sem eleições, sem Constituição, a imposição dos sindicatos únicos não foi nem mais nem menos que o começo de uma tentativa de ditadura que o PCP tinha, no seu congresso extraordinário de Outubro de 1974, retirado do programa e dos estatutos. Foi um momento de rotura para muitos que haviam acreditado até aí na sinceridade da busca de um caminho português para o socialismo.
Com o 11 de Março de 1975, as nacionalizações e a criação doutros movimentos mais abrangentes em termos sociais, o papel dos sindicatos complicou-se e em parte diminuiu. Em muitos casos tornaram-se assessores das direcções das empresas e serviços. Temporariamente cederam perante os velhos e os novos patrões.
Com o seu alinhamento declarado, com a integração e quase diluição numa virtual Muralha de Aço, os sindicatos da Intersindical desistiram da sua função e perderam-se no turbilhão em que se tornou a vida política.

17 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (42)

Afora o facto de alguns países ainda manterem pequenos territórios sob o seu domínio, Portugal foi o último dos grandes colonizadores a libertarem as suas colónias. Por mais consentido que fosse o domínio, por mais fracas que fossem as perspectivas de um melhor governo autónomo, por maior benevolência do bloco ocidental, a Comunidade Internacional não condescenderia mais num prolongamento exagerado da situação.
A política de Salazar era a do tudo ou nada e a recusa de quaisquer conversações. Marcelo Caetano seguiu-lhe o erro. A luta libertadora desenvolvia-se em cada uma das três colónias principais a ritmos próprios. Em 1973 acelerou decisivamente na Guiné. Todo o edifício tremeu, vieram à baila outras lacunas do regime, a situação internacional tornou-se mais desfavorável à manutenção da situação colonial. O exército deu o golpe.
O poder da esquerda no PREC tornou a descolonização desde logo irreversível. Obtiveram-se acordos em que o princípio revolucionário foi aceite, pondo fim abrupta e ingloriamente a uma presença secular. Tudo foi excessivamente simples. A situação mais complicada era a de Angola em que à partida haviam três movimentos com implantações diferentes e que conflituavam entre si.
A política geo-estratégica imponha que os apoiantes do bloco de leste tivessem uma acção de apoio à transferência do poder para o MPLA. Conseguida a inclusão de Angola no bloco de leste, conseguida a sovietização de todo o Império Colonial, deixou de interessar à URSS manter aqui um foco de agitação permanente.
Houve um acordo tácito, consequência lógica de todo um percurso histórico já consolidado a que Salazar chamaria os ventos da história. Em 25 de Novembro de 1975 Cunhal levantou a bandeira da paz, tinha desempenhado o seu “triste” papel. Estavam satisfeitos os objectivos geoestratégicos da URSS.

16 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (41)

Em 25 de Abril de 1974 Portugal pertencia à EFTA, organização de comércio liderada pela Grã-Bretanha e que ainda hoje subsiste com os membros que a não quiseram abandonar para aderir à Comunidade Europeia.
Esta organização de que Portugal foi membro fundador muito contribuiu para o desenvolvimento industrial do País, embora numa lógica de divisão internacional do trabalho que visava acima de tudo aproveitar a mão-de-obra pouco qualificada e excedentária.
A EFTA não assentava em princípios políticos nem visava evoluir para qualquer tipo de organização com natureza política. Mas como Portugal já pertencia à NATO tinha na EFTA a sua forma de integração na economia ocidental, beneficiado também dos acordos que a EFTA tinha com outros blocos económicos, que permitiam ultrapassar divergências bilaterais. Estava garantida a eficácia mínima da política externa do regime de Salazar.
O poder instituído após o 25 de Abril, tendo uma marca cada vez mais acentuada de esquerda, procurou manter tratados e alianças e evitar tudo o que pudesse ser entendido como interferência exterior. No entanto era impossível que Portugal deixasse de ser visto como integrando uma zona de influência das potências ocidentais.
Por falta de uma actuação eficaz por via diplomática, os governos ocidentais procuraram explorar outros contactos, outras formas de “interferência” nos assuntos internos que lhes permitisse assegurar que o País não saísse muito do padrão ocidental.
Por pertencer à Internacional Socialista, mas também por exclusão de partes, já que Sá Carneiro esteve bastante tempo afastado da liderança do seu partido, coube a Soares desempenhar o papel agregador internamente e de projecção mundial inquestionável. Coube a Cunhal representar os interesses antagónicos a esses que eram os do bloco de leste.

15 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (40)

No PREC o PCP procurou a todo o custo que as pessoas assumissem que ser de esquerda fosse ser do PCP. Interessava-lhe mais esta luta do que qualquer outra mais vasta. As pessoas iam aceitando ser socialistas e às tantas aparecia o PCP a dizer que o socialismo era dele e era nele que as pessoas tinham que acreditar.
Sendo o poder por natureza de esquerda, a discussão que se imponha era a da legitimidade da existência de uma vanguarda que o devia exercer, porque a teoria dizia que nem toda a gente estava preparada para tal. As pessoas eram incentivadas a participar na comunidade a que obrigatoriamente as queriam agarrar, em associações cuja natureza era o menos importante e delegar nelas a fase seguinte à democracia de base.
Sendo as pessoas postas a discutir e decidir sobre assuntos de âmbito limitado, sendo as escolhas postas em termos simplistas e obedecendo às regras da dicotomia era possível manipulá-las e pô-las às tantas a fazer escolhas sucessivas que levavam a resultados que interessavam aos vanguardistas de cartilha. A dimensão que cada organização abarcava era estudada e escolhida para garantir o seu controlo.
Confundia-se o voluntarismo de muitas iniciativas populares com a estruturação de um poder popular através do qual a vanguarda comunicava às bases as tarefas que era necessário serem executadas para que os seus propósitos viessem a ter sucesso. Todos aqueles que denunciavam alguma forma de manipulação eram ofendidos e afastados.
Chegou um momento em que o PCP tinha uma estrutura em cada domínio de intervenção como as comissões de moradores, de trabalhadores, os SUV no exército, os CDR nas empresas e outras organizações que assumiam todas as formas e feitios. O que era necessário era despersonalizar, ter estruturas e não pessoas porque é mais fácil o relacionamento, são menores as objecções.

14 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (39)

Antes do 25 de Abril de 1974 era tido como comummente aceite que o poder era por natureza de direita. À esquerda era permitido, na opinião de algumas pessoas, dar algumas beliscaduras no poder. Mesmo muitas pessoas que admitiam o direito de revolta, não tinham por absolutamente certo que tal permitisse uma entrega do poder à esquerda.
Este estado de espírito foi vencido um pouco de modo empírico, um pouco calculistamente pela esquerda que se preocupou em trazer para o seu lado a super-estrutura depurando-a dos elementos mais recalcitrantes. De repente era como se todo o povo achasse natural o poder ser por natureza de esquerda, isto é, baseado no próprio povo.
O PREC foi quase todo vivido neste estado de espírito, que era a esquerda quem devia dirigir e caberia à direita colocar-se de resguardo para intervir quando a esquerda quisesse ser demasiado radical. A direita foi cometendo erros atrás de erros, começando por apostar num poder pessoal já perfeitamente ultrapassado e personalizado em Spínola.
A esquerda avançou de tal modo e tão facilmente que após o 11 de Março já só restava à esquerda moderada colocar o travão que a direita não tinha conseguido accionar, antes pelo contrário. Quando se colocava o poder como naturalmente de esquerda, esta luta foi tida como fratricida.
A razão é que o problema nunca se nos tinha sido colocado na realidade. Mas é na realidade que as questões podem e devem ser melhor analisadas. Na teoria sabíamos que o regime soviético nos não interessava, mas havia quem acreditasse em que, após Kroutechev, haveria um caminho de reconversão a operar ao ritmo mais apropriado, após um percurso infeliz.
A imagem que Cunhal cá tentou dar nos anos anteriores parecia apontar na mesma direcção, mas na prática o que ele nos propôs foi a reedição trágico-cómica da Revolução de Outubro. A esquerda demarcou-se, o esquerdismo recolheu em si o fel. O poder voltou a ser por natureza de direita.

13 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (38)

Por altura do 25 de Abril de 1974 a estrutura social portuguesa assentava essencialmente em dois padrões distintos o que levou a duas atitudes perfeitamente contraditórias da população. Cada um desses grupos sociais vivia na ignorância mútua e estava convencido da justeza das suas opções políticas, face ao passado de cada um.
No Sul rural as tendências comunistas eram fortes devido à herança vinda já dos tempos da reconquista. O Alentejo tinha sido entregue às ordens religiosas militares, depois vendido pelo Estado à burguesia lisboeta no século dezanove, mantendo sempre a mesma estrutura latifundiária. Às populações locais estava vedado o acesso à propriedade com tal dimensão.
No Sul industrial, mesmo que constituído maioritariamente por gente do Norte, havia uma grande proletarização. Se muitos daqueles que eram provenientes do Norte ainda possuíam algumas parcelas rurais nas terras de origem, estas já não constituíam qualquer referência para si, o seu universo de referências já estava desvinculado desse tipo de propriedade.
No Norte praticamente tudo continuava a ser rural. Essa ruralidade era tido por natural e quase invadia o próprio espaço das cidades. A propriedade rural estava muito distribuída mesmo que houvessem diferenças significativas. No entanto a propriedade maior não suscitava desejos de partilha. Os pequenos proprietários eram demasiados para que um número tão limitado de propriedades maiores pudesse suscitar qualquer movimento de apropriação.
No Norte, por pouco que cada um tivesse, cada qual defendia o seu. Não havia a riqueza ostensiva do Sul. Os ricos eram somente os emigrantes regressados, muitos agricultores que viviam em condições tão deficientes como os seus caseiros, alguns citadinos que tinham conseguido capitalizar o suficiente para comprar antigos conventos e casas senhoriais.
Havia no Sul uma abertura à colectivização que no Norte não tinha qualquer enraizamento.

12 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (37)

No Prec a desigual implantação das forças políticas no espaço nacional deu origem ao agudizar dos conflitos inter-partidários. A direita lançou uma cortina em Rio Maior para reivindicar para si o Norte. O esquerdismo fez uso da sua influência nas cinturas industriais de Lisboa e Setúbal e no Alentejo para neutralizar à partida qualquer intervenção da direita.
Ninguém exerceu o poder de exclusão, não se criaram guetos, mas na prática sabia-se dos perigos que se corriam, das ideias mais comuns que era melhor não contestar, que era quase proibido pôr em causa. Para que se despoletasse uma guerra civil era preciso haver perseguições que tornassem impossível conviver e isso na realidade não chegou a ocorrer.
Teriam havido ânimos mais exaltados, casos puramente individuais, afrontamentos à revelia das direcções partidárias, provocações para testar os sentimentos próprios e os alheios. Coacção psicológica não faltou em qualquer dos ambientes, na utilização de relacionamentos pessoais e profissionais para obter posicionamentos políticos favoráveis.
Umas pessoas tudo fizeram para que a sua vida se pudesse manter sem grandes convulsões fosse qual fosse a opção política tomada. Outros porém alteraram quase radicalmente os seus comportamentos, nem sempre numa manifestação de liberdade, muitas vezes dando expressão aos seus sentimentos mais agressivos e venais.
Muitas pessoas alteraram a sua vida normal, mas também muitas se viram obrigadas e alterar amizades, a alterar comportamentos, a alterar ritmos. A desconfiança instalou-se onde era pressuposto ela não ter assento, até mesmo na família. As atitudes provocatórias proliferaram contra uma tradição de não ultrapassagem dos limites convencionais.

11 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (36)

O Estado foi tão glorificado no PREC como no regime de Salazar. No PREC as populações foram colocadas tanto quanto possível a trabalhar para o Estado, fosse qual fosse a forma que este assumisse. O esquerdismo pensou que, sendo a maioria dos trabalhadores empregados do Estado, mais facilmente seria capaz de tomar o poder.
Aqui não interessava realçar o papel do Estado como empregador, mas antes associar-lhe uma série de ideias benévolas em todo contraditórias com a imagem distante embora de outro modo protectora do Estado. Essa aproximação entre o Estado e os cidadãos foi o aspecto mais realçado nesta forma particular de uma revolução que não passou da ficção.
Efectivamente para haver revolução tem que haver uma transferência decisiva do poder por um período relativamente duradouro. Se bem que tenhamos sido palco de um fenómeno peculiar como foi a greve do governo, houve a suficiente continuidade governativa durante todo o PREC para que, depois do pronunciamento inicial, nunca se tenha assistido a um verdadeiro assalto ao poder.
No PREC houve uma imensa condescendência. Nenhuma força política arriscou dar um passo demasiado largo. Só quando o esquerdismo tentou interferir com outras forças sociais não meramente políticas é que os ânimos se começaram a exaltar e os conflitos a assumir foros de violência. O esquerdismo tentava fazer passar a apropriação da propriedade alheia como foi o Caso Renascença, como mero acto de gestão.
A resposta foram os ataques às sedes do PC, actos contrários à normal tolerância demonstrado pelo povo português, mas que tiveram o apoio dos sectores mais radicais, do fundamentalismo religioso e a condescendência da maioria da população que se alheou da confrontação que se queria atear. Infelizmente em Ponte de Lima faleceria uma pessoa de bem.

10 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (35)

No PREC procurava-se gerir a economia de modo expedito e de forma a proporcionar emprego. Todos os problemas eram solucionados de modo rápido e da forma que se julgava mais apropriada para que se mantivesse o essencial que era a produção. Esta foi elevada de tal maneira a fim supremo que até houve a promoção de batalhas da produção.
O governo de Vasco Gonçalves, influenciado decisivamente pelo PCP, foi o mais empenhado no objectivo de obter sempre mais produção. O trabalho era glorificado como no tempo de Salazar, só que agora a questão da propriedade era relativizada. As nacionalizações iam-se fazendo sem alterar significativamente os métodos de gestão.
O trabalho era visto como um meio de redenção. Institucionalizou-se uma certa maneira de dividir por aí entre os que colaboravam e os que não colaboravam, entre os bons e os maus. Os que trabalhavam nas indústrias nacionalizadas eram vistas como os verdadeiros intérpretes da revolução.
Os que continuavam a trabalhar na iniciativa privada eram vistos com certa condescendência. Só o capital dito monopolista, porque beneficiava de certas regalias proporcionadas pelo Estado, era diabolizado. Só que as empresas sucedâneas continuaram a ter as regalias que tinham e outras que se lhe acrescentaram.
O trabalho era entendido como o elemento unificador por excelência, pela dependência que criava em relação a um patrão primordial único, o Estado, pelo seu uso como elemento de atribuição de mérito, pelo seu uso para encobrir desigualdades que surgissem no resto da labuta diária.
O trabalho contribuiu para a omnipresença do Estado. Era apresentado com o seu lado simpático e os partidos que patrocinavam esta visão eram tidos como aqueles que eram a favor da paz e da solidariedade. Mas isto era só uma das ideias feitas. Os trabalhadores eram tanto melhores quanto mais submissos, os funcionários eram melhores quanto mais zelosos.

09 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (34)

A consolidação programática e simultânea estruturação e projecção dos partidos políticos no pós 25 de Abril teve muitos problemas à excepção do rochedo em que Álvaro Cunhal já havia transformado o PC. Este conseguia mesmo fazer alterações à sua linha política, sem que a maioria dos seus membros disso se apercebesse ou lhe desse importância.
A maioria da população para aderir ou dar apoio a um partido só necessitava de duas ideias: Ser a favor por uma dessas ideias e ser contra por uma outra defendida por todos os outros partidos. Por esta razão também as mudanças eram relativamente fáceis quando até era difícil ter uma percepção genérica da realidade. Mudar uma só das ideias já podia implicar mudança de partido. Mudar as duas ideias implicaria uma mudança mais radical.
As opções políticas vieram a consolidar-se à volta de quatro partidos, entendendo muitas pessoas terem faltado dois para melhor representar todo o espectro político. Faltou o partido verdadeiramente socialista e o partido da direita liberal, partidos à volta de cuja formação se travaram muitas lutas.
A direita conservadora e democrata-cristã juntou-se à volta de figuras semi-comprometidas com o regime anterior e durante muito tempo fez do CDS um esteio sólido. O CDS falava de púlpito.
O PPD sofreu as dificuldades de não ser apêndice de qualquer internacional, embora o tenha querido ser, e representou os sectores mais instáveis, dos que têm mais dificuldade de chegar a uma síntese clarificadora. O PPD discutia-se permanentemente na tasca.
O PS definiu-se como barreira. Teve sempre dificuldades de afirmação. Tornou-se um partido de diálogo e não de discussão. Permanentemente vulnerável às investidas dos verdadeiramente socialistas.
O PC, o partido das amplas liberdades, definiu-se também como barreira mas nunca foi levado a sério. Defendeu sempre as últimas conquistas, estivessem elas em situação ascendente, fossem o resultado de sucessivas redefinições após o PS as ter defendido e o PC as ter negado. Os seus verdadeiros propósitos nem Cunhal os confessava.

08 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (33)

O PREC, de 25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975, é um período muito característico, muito diferente de outras situações aparentemente semelhantes, porque se desenrolou uma luta pelo poder muito para além de uma luta política e em simultâneo um processo de criação e estruturação das forças políticas que a promoviam. Não havia tempo a perder.
Anteriormente era difícil sustentar qualquer imagem meritória se não se estivesse ao lado do governo. Usavam-se conceitos morais para controlar o comportamento dos outros, mesmo que fosse evidente que eles se não aplicassem aos próprios, cobertos normalmente por um véu de respeitabilidade. Esta desigualdade desagradava a qualquer um.
Os políticos que surgiram no 25 de Abril estavam no geral com uma imagem distorcida, houve quem os quisesse caracterizar somente pelos anos que tinham passado na cadeia. Com o tempo foi possível “recuperar” muita gente, arranjando-se também facilmente desculpas para uma colaboração, que era mais ou menos relativizada conforme o interesse da força interessada.
Foi um processo de lavagem de roupa suja em que nem toda a roupa foi lavada. Ministros de Salazar eram reabilitados porque tinham tentado furar o isolamento do regime, soldados eram condenados porque não tinham aceitado missões humilhantes para si. Mas no geral era tempo perdido querer demonstrar a iniquidade presente nestes julgamentos sumários.
Não era decerto tarefa fácil integrar militantes em organizações em que os novos eram em muito maior número que os velhos. Os partidos criados de raiz tiveram problemas ainda mais complexos que os outros. Por exemplo Sá Carneiro, que criou o PPD para dar corpo às suas ideias e lhe dar possibilidades de intervenção na actividade política, ver-se-ia com imensos problema para segurar e recuperar o leme do seu partido.

07 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (32)

Durante o período de 25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975 tudo girou à volta do poder. As forças políticas organizaram-se como puderam para fazer frente umas às outras. Para que houvesse o mínimo de concorrentes proibia-se e interferia-se na sua gestão interna. Pretendeu-se mesmo impor modelos aceitáveis porque dóceis.
Dificilmente provamos que isto tenha sido feito de forma sistemática até porque havia da parte de quem o queria fazer uma debilidade muito grande. Havia avanços e recuos, mas nunca demonstrando qualquer sentimento de derrota. Como se sabe quem vence impõe um estilo e nesse período nunca ninguém conseguiu impor um estilo, pelo que nunca houve vencedores.
Neste aspecto se pudermos querer achar uma herança temos que constatar que houve uma certa mudança na maneira de abordarmos o tradicional “bota abaixo”, a costumeira “má-língua”, porque precisamente certas forças políticas, na ausência de um estilo próprio, fizeram uma apropriação dessa tradição adoptando a brejeirice e o desbocamento tradicionais.
Todos fizeram o que puderam para reter nas pessoas certos valores ou para fazerem a reconversão que os aproximasse mais das suas próprias teorias. As pessoas eram intimadas por uns políticos para se defenderem antes que o abismo surgisse à sua frente e por outros para se adoptarem a um futuro inevitável, mas mais glorioso que o seu passado.
O panorama político reconfigurou-se com certa rapidez e com uma inesperada solidez, de modo que a sua variação desde as primeiras eleições livres de 25 de Abril de 1975, um ano após o pronunciamento militar, é relativamente pequena e as transferências depois ocorridas podem ser facilmente explicadas.
A luta que se desenrolou após o 25 de Abril de 1975 e até 25 de Novembro de 1975 deu afinal poucos resultados, mas valha a verdade que também essas lutas não passaram na maioria dos casos de verborreia sem sentido, de ataques verbais que não eram levados a sério. Um pouco à maneira de hoje.

06 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (31)

Com o 25 de Abril e durante 19 meses a política crua e dura, isto é, a luta pelo poder, tomou conta do dia a dia, do noite e do dia, de todo o tempo que houvesse. Não se discutiam índices económicos, o presente era visto tão só como aquele momento transitório, umas vezes alegre outras vezes incómodo, que nos não permitia ver com discernimento o futuro.
O que se discutia na praça pública por quem quisesse participar não era muito diferente do que discutia nas sedes partidárias, nos quartéis, nas escolas. Os candidatos a políticos tinham que se apresentar aí para serem capazes de aspirar ter um futuro. Estava-se ainda numa fase pré-profissionalização. O PC estava melhor colocado para receber os estagiários.
A natureza dos factos discutidos não interessava. Falar de qualquer assunto estava ao dispor de qualquer um e de todos precisamente porque só se analisava o seu contributo para a luta pelo poder. Perdiam-se e ganhavam-se pontos, perdiam-se e ganhavam-se posições, tudo era visto com um certo desportivismo, iam-se vivendo com parcimónia alguns momentos de glória.
À medida que os momentos decisivos, aqueles que contribuem para a inclinação da balança ou a fazem tender para um dos lados, foram crescendo em número, em que a dinâmica se foi acentuando, vai-se então tornando mais necessário um momento de verdade em que se defina claramente as opções de fundo que é necessário tomar.
Os conhecimentos tidos eram o resultado de algumas leituras anteriores ao 25 de Abril e os adquiridos eram o resultado de uma discussão que não saia de algumas generalidades aceites como teoria e de uma intoxicação promovida por quem já tinha ou foi tomando posse dos órgãos de comunicação social.
Os mais precavidos foram organizando as suas forças, enquanto tudo faziam para dificultar que outros o fizessem também. A estratégia adoptada viria a ter repercussões na futura estruturação das várias forças políticas.

05 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (30)

A posição ambígua de Portugal durante a segunda guerra mundial, com uma inflexão final a favor dos países democráticos do ocidente, em particular da Inglaterra e dos Estados Unidos da América, contribuiu para que o regime de Salazar se aguentasse após o seu fim.
Este pequeno país não representou qualquer perigo para os maiores e esses tinham bem mais com que se preocupar no seu plano interno e na definição dos campos geo-estratégicos que se começaram a desenhar na Europa, sem grandes hipóteses de intervenção no campo alheio.
Se ninguém tinha força para impor um modelo democrático na Europa de Leste, ninguém se preocupava em impor esse modelo a Portugal e de modo semelhante à Espanha. Seja por um primeiro deixar andar porque seria caso para resolver com alguma facilidade no momento mais oportuno, seja pelo acentuar da guerra-fria o certo é que o salazarismo subsistiu.
As diferenças entre Portugal e a Europa foram porém acentuando-se, levando o Bispo do Porto a escrever em 1957 que tínhamos o “exclusivo privilégio português do mendigo, do pé-descalço, do maltrapilho, do farrapo; nem sequer o nosso triste apanágio das mais altas médias de subalimentados, de crianças enxovalhadas e exangues e de rostos pálidos (de fome de vício?).”
Em 1960 Portugal entrou na criação da EFTA pela mão inglesa. Foi a oportunidade que o regime aproveitou para um desenvolvimento económico e uma internacionalização da economia que a guerra colonial e a emigração clandestina vieram ajudar como descompressores da tensão social que se havia acumulado no quinquénio anterior.
A política não acompanhou a economia, de tal modo que a partir de fins da década de sessenta é a economia que começa a fazer as suas exigências políticas, o que também vai coincidir com o afastamento por doença de Salazar. A brigada do reumático nunca haveria porém de ceder senão pela força, com a passagem da maioria militar para o lado reformista.

04 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (29)

Como é natural o salazarismo teve dias mais fáceis e outros mais difíceis. Se considerarmos que a sua existência decorreu durante quarenta e cinco anos, podemos dividi-la em três períodos de quinze anos e considerar que o seu período intermédio foi o mais difícil dos três.
Podemos dizer que no primeiro período houve uma certa aceitação devida a factores internos e externos, a rejeição foi mais acentuada após a derrota das ditaduras ocidentais na Segunda Guerra Mundial e a manutenção de Portugal à margem do movimento de democracia e progresso que se desenvolveu na Europa com o apoio do plano Marshall.
Nos finais dos anos cinquenta a pressão interna era imensa para promover uma mudança e só o ambiente internacional de guerra-fria, a ausência de pressão externa que não fosse a que vinha do bloco de leste, levaram a que Salazar se aguentasse nesse balanço.
A guerra colonial e a emigração em especial para França tiveram o efeito perverso de constituírem os grandes escapes para a pressão social que se fazia sentir sobre o regime, mas que tardava a assumir um carácter político. O controlo sobre a Universidade seria uma das grandes armas de Salazar, porque lhe foi fácil utilizar a guerra para unir a população e o dinheiro dos emigrantes para criar algum desenvolvimento.
Foram tempos difíceis para a oposição ao regime, até porque dum lado e do outro, por conveniência do regime e das forças mais activas da oposição, se reduzia tudo a uma dicotomia entre salazarismo e comunismo. Quase não fazia sentido ser doutra oposição porque ninguém acreditava numa transição pacífica para a democracia.
Se não havia um apoio claro ao regime, havia uma aceitação implícita, um estado de apatia que levava os apoiantes declarados do regime a entenderem-se como pessoas respeitáveis, quando sabiam que o regime recorria a métodos desprezíveis. Essa apatia geral provocou um estado de suspeita doentio que ainda hoje existe.

03 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (28)

No 25 de Abril de 1974 o País tinha uma economia caracterizada pelo corporativismo. O associativismo agrícola era obrigatório. A maioria das actividades de comércio e serviços eram sujeitas à passagem dum alvará. As leis do condicionamento industrial eram utilizadas para garantir os monopólios, condicionar o acesso à propriedade, o volume de produção e os preços.
Há muito pouco tinha sido criado um regime de previdência para os rurais. Havia sindicatos de actividade “devidamente” controlados e caixas de previdência um pouco à sua imagem, mas que foram progressivamente integradas e regionalizadas. Mas havia poucas pessoas reformadas e as caixas investiam em casas económicas.
O Estado era constituído pelos órgãos que exerciam a soberania, que nesta caso se estendia ao controlo político, mas também tinha funcionários responsáveis por muitas das estruturas de suporte à economia e em especial à comunicação. Havia milhares de carteiros, cantoneiros, funcionários de grémios da lavoura e guardas florestais.
Havia um partido político, a União Nacional, depois Acção Nacional Popular, que sustentava ideologicamente o regime, mas cuja acção política era muito ténue. Dado o seu elitismo só procurava ter uma influência directa nos órgãos de poder, mas negligenciava os organismos intermédios. Deixava essa função à Legião Portuguesa e à Pide, depois DGS, não para exercerem uma influência “positiva” mas para fazer um controle pela denúncia.
Se verificarmos bem já estão aqui os elementos de cultura que ainda se notam no presente somente porque o esquerdismo os procurou preservar em seu favor. Nacionalizar foi fácil, não teve a oposição de uma opinião pública desconhecedora das suas implicações. Arranjar controladores não constituiu qualquer problema.

02 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (27)

No 25 de Abril havia um Partido Socialista, filho recente da social-democracia europeia e o Partido Comunista, herdeiro do maximalismo português domesticado por Álvaro Cunhal, que para isso utilizou todos os meios que estavam ao seu alcance.
O PS ainda não tinha qualquer implantação e é duvidoso que alguma vez a viesse a conseguir se não ocorresse o 25 de Abril. O PC tinha uma implantação desigual, residual nuns sítios, até demasiado ostensiva noutros. Na área universitária, onde tinha velhas raízes, vivia o drama da não coincidência da teoria operária com as origens burguesas da grande maioria.
Este facto levou à formação de vários grupos de interpretação da teoria, normalmente tendo por base as diferentes leituras importadas, mas que também cá se foram subdividindo em ramos de difícil diferenciação para quem fosse estranho ao meio. O clima era mais de suspeita do que de revolução.
Estes grupos perturbavam uma acção mais sólida do PC e excediam facilmente a sua “tolerância”. Este haveria que ter uma penetração fácil e rápida em meios operários típicos localizados nas cinturas industriais, mas nem a evidência dessa força e dessa organização conseguiu derrotar grupos, grupinhos e grupelhos que proliferavam no meio universitário.
Destes, por terem conseguido alguma implantação em meios operários mais politizados e não terem sofrido o desgaste do PC, sobreviveram a UDP e pouco mais. Será no entanto a LCI a fornecer duas décadas depois o chefe incondicional, o sacerdote supremo dessa seita neo-religiosa que é o Bloco de Esquerda.
A amálgama de valores ecologistas, libertários e de um discurso duro, sentencial, condenatório e inapelável tem dado a este grupo uma projecção desproporcionada. A direita tem ajudado sobremaneira com a sua linguagem igualmente justicialista. No seu afã de obter da população sentenças rápidas só tem conseguido alargar o espaço à esquerda e não à direita do PS, como seria seu propósito se quisesse crescer. O esquerdismo sai a ganhar.

01 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (26)

Um dos motivos invocados para justificar o 25 de Abril de 1974 prende-se com o desgaste e esgotamento das forças militares portugueses provocado por sucessivas comissões nas colónias. Tal não era tido por derrota, mas como uma inferioridade resultante da incapacidade física.
Como motivo, seria fútil para um militar, mas, acima de tudo, é um erro de análise a que se chega pela ignorância e provocado por quem tem interesses nisso. É mais fácil, sinal de menor cobardia, dizer-se que se é vencido pelo cansaço do que pelos inimigos, mesmo que estes só se identifiquem vagamente pelos ventos da história.
Os militares portugueses mudaram a atitude por motivos psicológicos e não físicos. É que a motivação para fazer a guerra assentava em argumentos tão frágeis que ao menor abalo baquearam. Bastou a crise petrolífera de 1973, as ameaças de boicote dos países árabes, a retirada do apoio religioso do Vaticano, uma posição mais flexível dos americanos, tudo acrescido à maior pressão nas zonas mais vulneráveis, para que o exército português hasteasse a bandeira branca da rendição.
O exército português estava fisicamente fresco, militarmente no geral seguro, faltou-lhe o domínio da previsibilidade. Após 1973 tudo passou a ser incerto, quaisquer cenários que se arquitectassem eram falíveis. O exército português não estava habituado à incerteza, tinha os pés bem assentes no chão e o olhar virado para perto, era cínico, manhoso, calculista.
No exército português havia muita gente que pensava ser ainda possível ser herói pelos dois lados da barricada. E alguns tiveram a veleidade de o querer ser, como se fosse possível sê-lo sem se ser traidor por um dos lados. Mas o outro lado da barricada estava ali tão perto, era uma tentação.

Aqui pode vir a falar-se de tudo. Renegam-se trivialidades, mas tudo depende da abordagem. Que se não repise o que está por de mais mastigado pelo pensamento redondo dominante. Que se abram perspectivas é o desejo. Que se sustentem pensamentos inovadores. Em Ponte de Lima, como em todo o universo humano, nada nos pode ser estranho.

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"Big Man" 1998 (1,83 de altura) - Obra de Mueck

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O mais perfeito retrato da solidão humana