14 julho 2008

As razões do nosso esquerdismo (39)

Antes do 25 de Abril de 1974 era tido como comummente aceite que o poder era por natureza de direita. À esquerda era permitido, na opinião de algumas pessoas, dar algumas beliscaduras no poder. Mesmo muitas pessoas que admitiam o direito de revolta, não tinham por absolutamente certo que tal permitisse uma entrega do poder à esquerda.
Este estado de espírito foi vencido um pouco de modo empírico, um pouco calculistamente pela esquerda que se preocupou em trazer para o seu lado a super-estrutura depurando-a dos elementos mais recalcitrantes. De repente era como se todo o povo achasse natural o poder ser por natureza de esquerda, isto é, baseado no próprio povo.
O PREC foi quase todo vivido neste estado de espírito, que era a esquerda quem devia dirigir e caberia à direita colocar-se de resguardo para intervir quando a esquerda quisesse ser demasiado radical. A direita foi cometendo erros atrás de erros, começando por apostar num poder pessoal já perfeitamente ultrapassado e personalizado em Spínola.
A esquerda avançou de tal modo e tão facilmente que após o 11 de Março já só restava à esquerda moderada colocar o travão que a direita não tinha conseguido accionar, antes pelo contrário. Quando se colocava o poder como naturalmente de esquerda, esta luta foi tida como fratricida.
A razão é que o problema nunca se nos tinha sido colocado na realidade. Mas é na realidade que as questões podem e devem ser melhor analisadas. Na teoria sabíamos que o regime soviético nos não interessava, mas havia quem acreditasse em que, após Kroutechev, haveria um caminho de reconversão a operar ao ritmo mais apropriado, após um percurso infeliz.
A imagem que Cunhal cá tentou dar nos anos anteriores parecia apontar na mesma direcção, mas na prática o que ele nos propôs foi a reedição trágico-cómica da Revolução de Outubro. A esquerda demarcou-se, o esquerdismo recolheu em si o fel. O poder voltou a ser por natureza de direita.

Sem comentários:

Aqui pode vir a falar-se de tudo. Renegam-se trivialidades, mas tudo depende da abordagem. Que se não repise o que está por de mais mastigado pelo pensamento redondo dominante. Que se abram perspectivas é o desejo. Que se sustentem pensamentos inovadores. Em Ponte de Lima, como em todo o universo humano, nada nos pode ser estranho.

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"Big Man" 1998 (1,83 de altura) - Obra de Mueck

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