17 março 2007

Como evitar a corrupção

A nossa preocupação em ver políticos não corruptos à frente dos órgãos eleitos e por consequência em ver técnicos ou políticos não corruptos que por escolha estão à frente dos órgãos não eleitos na dependência dos primeiros leva-nos a procurar destrinçar as razões que fazem nascer a corrupção.
Estamos inseridos numa civilização que, desconfiando da natureza humana, procura tudo regulamentar e classificar todas as possíveis formas de corrupção, de modo a procurar controlá-las por via legislativa.
Talvez por excesso de regulamentação e falta de controlo é que, se na teoria isto pareceria funcionar, na prática leva a uma política de facilitação e desculpabilização que relativiza todos as formas de corrupção a pontos que se torna insuportável sequer assistir.
Esta abordagem que deambula tão rapidamente entre a inflexibilidade e a permissividade faz corroer as almas e os relacionamentos, enfim torna vulgares e contestáveis todas as estruturas que dão corpo a esta sociedade.
São patéticos no entanto os apelos a mais controlo, como se para cada pessoa activa se tivessem que pôr várias pessoas a exercer somente funções de controlo. É preciso encontrar outras formas de obviar ao problema.
Sem minimizar o problema também se diga que muito do nosso padecimento por esta causa deve-se a generalizamos aquilo que não é generalizável. Da desconfiança na natureza humana passamos à desconfiança de toda a obra humana normativa, desconfiamos da eficácia de todos as formas de reposição da justiça, justiça passiva, depois de desconfiarmos em absoluto de toda a promoção activa da justiça.
Se a corrupção é característica das sociedades em que o Estado tem um grande peso, é fundamentalmente porque o Estado é mau a regulamentar as suas relações com os vários elementos que constituem a sociedade. Essas relações não são da mesma natureza das relações interpessoais.
Os funcionários e agentes do Estado não conseguem despir-se dos seus interesses específicos quando actuam em nome do Estado e além de se não conseguirem formular regulamentos equitativos, também se não conseguem construir normas suficientemente eficazes para repor a justiça que possa ter falhado num primeiro acto.
A corrupção não actua só por via do favorecimento económico, embora seja por aí que o seu resultado mais geralmente se vê. A corrupção tem forma de se insidiar por outras vias mais pessoais, sentimentais e relacionais que podem conduzir a resultados igualmente duvidosos.
Se diminuir a dimensão do Estado é diminuir a dimensão da corrupção, esta também se diminui procurando a forma equitativa, equilibrada de atender a todos os interesses a que as pessoas e as organizações vão dando azo. Do Estado espera-se a equidistância que já se não espera das pessoas.
Em vez de pensarmos resolver as coisas pelo lado da cultura, como se fosse possível inculcar nas pessoas uma cultura de renúncia a vantagens em detrimento de outros ou da sociedade, pensemos em como diminuir a corrupção promovendo o acesso a uma justiça activa, primeira, capaz de desincentivar a utilização das lacunas e imprecisões que inevitavelmente continuarão a existir na lei.
Os políticos, dos que mais ganham com a corrupção, têm de ser os veículos duma atitude nova, que se transmita à população de modo a que esta não aceite a permanência ou a reeleição de pessoas avessas à justiça e que leve à rejeição partidária desse tipo de candidatos passíveis de serem corrompidos.
Os políticos são geralmente corrompidos de forma passiva por quem visa a obtenção de vantagens numa competição e é capaz de despender elevados recursos nessa actividade como custos da sua própria actividade.
Sendo este o tipo de corrupção de que se mais fala não é porém o que a população mais sente. Esta sente bem mais a corrupção incentivada pelos funcionários e agentes do Estado em termos de um favorecimento que quase nunca é em detrimento de alguém, quando muito é em prejuízo de todos.
É na defesa destes todos, da sociedade no seu conjunto, para além da defesa dos direitos individuais, que os políticos se podem evidenciar de modo a que se definam melhor as regras, a representação dos valores sociais e pessoais que não podem ser deixados só ao cuidado da máquina judicial.
Se, conhecendo a sociedade, conhecemos a massa de que os corruptos são feitos, e, sendo os políticos escolhidos, podemos através de uma criteriosa selecção fazer destes não aqueles que se atravessam na nossa frente, mas aqueles que a sociedade prepare para essa função.
Mas não há milagres. Sem um permanente estado de alerta, sem a presença de uma forte opinião pública, os corruptos surgirão, não há estado policial que resista, associações cívicas invioláveis, partidos que se não transformem em gangs.

Sem comentários:

Aqui pode vir a falar-se de tudo. Renegam-se trivialidades, mas tudo depende da abordagem. Que se não repise o que está por de mais mastigado pelo pensamento redondo dominante. Que se abram perspectivas é o desejo. Que se sustentem pensamentos inovadores. Em Ponte de Lima, como em todo o universo humano, nada nos pode ser estranho.

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"Big Man" 1998 (1,83 de altura) - Obra de Mueck

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