01 maio 2007

A falta de solidariedade com o trabalho humilde

Tempos houveram em que ocorria uma clara demarcação entre trabalhadores e uma classe ociosa de guerreiros, nobres, clero, detentores da terra e depois proprietários das manufacturas, das minas, da indústria. “Trabalhar”, para esta gente, era indigno.
O trabalho estava essencialmente ligado à terra, as pessoas dispersas pelos sítios mais produtivos e só com a progressiva formação de cidades o trabalho se foi diversificando e novas formas da sua prestação se foram criando e os próprios patrões mais modestos foram trabalhando.
Mas se a desvinculação da terra constituiu uma libertação que trouxe ao homem alguma dignidade, logo surgiram novas formas de “esclavagismo” que tornaram o homem dependente, mais dependente ainda em termos de sobrevivência embora mais livre de se movimentar.
A proletarização, um desenraizamento que levou a uma perca de “domínio” sobre o meio de produção e das condições de trabalho, criou uma nova dependência e deu origem a movimentos libertários, de um dos quais derivaria a celebração deste 1.º de Maio.
Até há poucos anos estas realidades estavam em Portugal confinadas e algumas zonas mais industrializadas e o meio rural continuava a ter um peso determinante, com vastas camadas da população alheias àquele fenómeno.
À medida que os sectores secundários e terciários foram ganhando terreno, à medida que o rendimento do trabalho da terra foi declinando, aqueles sectores foram absorvendo a generalidade das pessoas e criando mais poder reivindicativo.
Simultaneamente criou-se uma necessidade generalizada de trabalhar. Hoje a bandeira de trabalhador é empunhada pelas mãos de quem há uns anos era vitima das maiores suspeições, não entrava na sua definição estrita.
Mas a própria estrutura da indústria se foi alterando, criando uma indústria menos massiva e menos vulnerável à pressão sindical. A proliferação de unidades empregadoras também dificulta a conjugação de esforços em comparação com os antigos proletários.
Hoje até o sindicalismo vive de profissões que outrora estavam incluídas no sector dirigente e estruturante da sociedade, perdeu as suas raízes populares. O conceito de trabalhador evoluiu porque evoluiu a sociedade e não é mais possível definir claramente qualquer linha que o demarque.
Os tradicionais sindicatos cada vez mais se diluem entre outras organizações criadas para defender os direitos de grupos profissionais. E quem adquire mais poder reivindicativo são aqueles que menos se justificaria pois são quem mais se vai elevando em detrimento de sectores mais vulneráveis.
Às associações sócio-profissionais, cada vez mais egoístas, falta o poder da solidariedade para com aqueles que mais se vão vendo presos à base da pirâmide social, cujo trabalho é cada vez mais desvalorizado. As mais poderosas são as que se opõem ao Estado, que perante a iniciativa privada o seu poder é hoje quase diminuto, não fosse o estado interferir na regulação.
Hoje os que merecem solidariedade continuam a ser os mesmos de há séculos e paradoxalmente sindicatos e quejandos estão agora do lado de cima e a contribuir objectivamente com a sua quota-parte para a manutenção e até para a acentuação das diferenças sociais.
O Estado também tem contribuído muito para isso, vergando-se ao poder efectivo dos seus gestores e dos muitos sindicalizados que pertencem a órgãos de soberania e às estruturas superiores da administração pública, autênticos sugadores do orçamento de Estado.
Se não fizermos força em contrário até veremos os governos que aí vêm a voltar a remar em seu favor. Só podemos tirar força e dinheiro a estas sanguessugas e a todos os corruptos se tirarmos força e dinheiro ao Estado, mas o soubermos aplicar. Teremos que quebrar a sua lógica, que é a lógica adoptada pelos sindicatos, de que tirar o dinheiro é a quem o tem.
Corremos o risco de, esquecidas as razões orçamentais que vão constituindo algum travão, logo que estas ultrapassadas, a tendência seja de voltar de novo ao velho ciclo da desbunda.
O dia do trabalhador deve ser hoje o dia dos que não têm trabalho, o dia dos que não têm meios de defesa, o dia dos que necessitam da dignidade de contribuírem para o bem da sociedade e de receberem por isso, o dia da valorização dos trabalhos mais humildes mas necessários.
Se não for assim, este dia Primeiro de Maio deixará de ter significado.

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Aqui pode vir a falar-se de tudo. Renegam-se trivialidades, mas tudo depende da abordagem. Que se não repise o que está por de mais mastigado pelo pensamento redondo dominante. Que se abram perspectivas é o desejo. Que se sustentem pensamentos inovadores. Em Ponte de Lima, como em todo o universo humano, nada nos pode ser estranho.

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"Big Man" 1998 (1,83 de altura) - Obra de Mueck

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