24 maio 2007

Ponte de Lima, rural sem ruralidade, urbana sem urbanidade

O património paisagístico de uma região, seja o caso que nos interessa, o Vale do Lima, caracteriza-se pelos seus aspectos inalterados, como as elevações, os miradouros, a constituição morfológica, os bosques naturais, a fauna e a vegetação nativas, os rios e outros cursos de água, o céu e o que dele vemos.
Mas o homem vai actuando sobre esse fundo, que dificilmente podemos imaginar virgem, tão antigo é o povoamento nesta zona. Planta novas árvores, introduz elementos exóticos na paisagem, adopta novas culturas, delimita a propriedade, cria novos animais e novas espécies, organiza a produção.
O homem transforma a paisagem porque nela se encontra muita da base do seu sustento e é nela que trabalha, habita e se movimenta. A paisagem assumiu sempre um aspecto funcional na vida das pessoas porque todos os lugares são bonitos para viver desde que acolhedores para o homem.
Se hoje se dá relevo à arquitectura paisagística é porque se pensou que toda a intervenção humana se pode enquadrar melhor no meio ambiente e o homem pode tirar melhor partido das belezas naturais, para lá do simples incremento patrimonial.
Mas também porque houve uma grande evolução nos meios e materiais que permitem que se crie diversidade, se lute contra a monotonia e se incluam elementos heterogéneos que não agridam a natureza local, antes sirvam, de algum modo, de contraponto à predominância de cores e texturas da região.
O perigo está no passo que vai daqui até à violentação da tradição. Por exemplo tradicionalmente o povoamento fazia-se em zonas abrigadas, de preferência do Norte, porque os materiais eram fracos e havia que arranjar um contra-vento. As casas mais pobres encostavam-se mesmo a um socalco.
O local de construção era o mais perto possível das terras de cultivo. Hoje constrói-se em lugares ermos, em cima de penhascos, em sítios à mercê da inclemência do tempo. Muitos vêm nisso uma ofensa gratuita à tradição, mas quem gosta de horizontes abertos extasia-se.
No tipo de construção, após a pedra sobre pedra, vieram as “maisons”. Hoje quase todos se renderam de novo à pedra, agora trabalhada à serra, com menos mão-de-obra. Renasceram as varandas apoiadas em colunas, as escadas exteriores. Mas em simultâneo vai aparecendo a arquitectura sem rosto, tipo bunker, obra de desenraizados, de paraquedistas.
Altera-se significativamente a paisagem com a predominância dada às casas, quando anteriormente elas eram dissimuladas na paisagem. Hoje identifica-se uma casa a dez quilómetros. Se havia uma antiga que lhe esteve na base, propositadamente ou não, ela só era vista a cem metros ou menos.
Sendo a habitação um elemento importante, estruturante, até porque atrás de si vão as vias de comunicação e outros equipamentos, a sua influência não é considerada como seja desestabilizadora da paisagem, mas os seus efeitos não são neutrais na sua configuração.
Não nos podemos abstrair das habitações que existem, embora nelas devemos reparar, mas não para emendar erros que isso não seria praticável. Com toda a probabilidade mesmo eles se manterão se continuar a ser seguida a politica dos últimos anos. Tudo vai continuar na mesma e não vai haver alterações significativas na configuração urbana do concelho.
Não havendo planificação, nem incentivos para a criação de centros urbanos de média dimensão, a proliferação de casas vai continuar, mas a qualidade de vida vai-se degradar. Em primeiro lugar porque se vai deteriorar o valor e diminuir o tempo dispendido com o espaço circundante.
Se as casas na paisagem são uma mais valia é necessário saber se há condições para as pessoas se fixarem efectivamente lá e se responsabilizarem pelo amanho das terras ao redor. Porque os jardins, as hortas, os pequenos quintais não podem ser deixados a criar silvas.
Depois, sem alguma concentração urbana, não é possível fornecer às pessoas os serviços a que elas estão habituadas numa cidade. Numa paisagem cheia de casas continuaremos a ver a urbanidade bem distante destas terras. Somos simplesmente rurais sem ruralidade e urbanos sem urbanidade.

Sem comentários:

Aqui pode vir a falar-se de tudo. Renegam-se trivialidades, mas tudo depende da abordagem. Que se não repise o que está por de mais mastigado pelo pensamento redondo dominante. Que se abram perspectivas é o desejo. Que se sustentem pensamentos inovadores. Em Ponte de Lima, como em todo o universo humano, nada nos pode ser estranho.

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"Big Man" 1998 (1,83 de altura) - Obra de Mueck

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