12 maio 2007

O ambiente e a paisagem num contexto de regionalização

Entre as pessoas pouco dadas a preocupar-se com o nosso futuro colectivo, mas que de quando em vez perscrutam o horizonte e dele recebem mensagens assustadoras, corre a frase seguinte: “ainda se há-de ver trabalhar de novo todas estas courelas que estão agora ao abandono”.
Nunca se pode dizer que não. Efectivamente os socalcos podem virar frondosos declives, os vinhedos passar a plantas rasteiras que produzam álcool para automóveis, o milho mudar para alguma abóbora híbrida ou transgénica mais vantajosa para a alimentação animal. A paisagem é que jamais será a mesma.
Aquela frase servia para assustar os jovens, pô-los de sobreaviso, dar-lhes uma reprimenda sobre o seu desleixo. De igual modo, quando se via alguém de coluna vertebral ao alto, lamentando-se pela falta de trabalho ou a pedir, logo alguém dizia que fosse trabalhar para a lavoura que não faltava onde.
Quem hoje disser isso não nos está apontando o caminho da abundância, mas o da miséria. Já não é realista usar tais frases. Duvido que seja ainda possível dar às courelas do Alto Minho a produtividade que em tempos alimentou milhares. Tornam-se necessárias novas soluções, mas quase é certo que adulterarão a paisagem e mudarão o ambiente.
Desde que a batata e o milho de maçaroca invadiram estes campos que cá não houve mais fome. Ao superpovoamento sempre se respondeu com a emigração, mas nunca ia a família inteira. As raízes cá ficavam mesmo que sustentadas a broa e caldo de couves e feijão adubado com a carne do bízaro.
De modo maciço, com grupos familiares completos, a nossa emigração é recente. Nos últimos vinte anos é que tem havido uma progressiva debandada. Em certos casos mais específicos terão ocorrido migrações internas deste género devido à fome de meados do século passado. Para o exterior só desde a década de setenta. Hoje a quem se vai dizer que volte?
Os concelhos de Paredes de Coura, Arcos de Valdevez, Ponte de Lima e Ponte da Barca são os que mais sofrem no Alto Minho com a desertificação do meio rural, com a deterioração da paisagem, com a destruição do arquétipo da exploração rural secular.
Por todo o lado já se vêm socalcos destruídos. No Sistelo, candidato sempre adiado a Património da Humanidade, corremos o risco dos seus socalcos tombarem também. Será possível criar zeladores da natureza e do meio rural, para manter artificialmente uma paisagem, que já não um modo de vida, mas o equilíbrio precário possível entre o homem e o ambiente?
Nas quintas e quintais, frondosos jardins a que a vinha contínua já produzira alterações, abandonou-se a agricultura promíscua. Outrora cultivava-se em cinco níveis no mesmo plano vertical: feijão, milho, vinha, oliveira, nogueira. Hoje já se só vêm matos, silvas, giestas e codeços.
Mesmo aqueles que tentam obstar a esta invasão fazem-no pela beleza, sabendo que têm prejuízos. Muitos que iam arranjando trabalho por perto de casa faziam-no nas horas sobrantes. Cultivavam com a mulher a sua courela ou até a de outros. Mas hoje vão trabalhar cada vez para mais longe, as mulheres entraram no mercado de trabalho não agrícola e o tempo e a vontade vão escasseando. Só no sábado se vê alguma gente a trabalhar no campo.
Aos velhos deram-lhes um terço e um baralho de cartas para estiolarem nos Centros de Dia em vez de os deixarem livres de fazerem o que lhes aprouvesse, andar com a vaca pela soga, dar uma sachadela nas batatas, aquelas selvajarias que os bem pensantes e ordenados não queriam ver.
De certo conforme o local, estamos no princípio, no meio e em alguns sítios no fim de um mundo que, mesmo difícil, deixa saudades a muitos. A saudade de estar na América e ter um irmão a conduzir pachorrentamente os bois, estar na Austrália e saber que pode voltar às terras que um primo lhe trabalha.
Agora já não voltará ninguém. É inútil até pedir ao governo, à comunidade dinheiro para fantasmas. A manutenção da paisagem só será possível com um enquadramento específico para a população que nela habita, com um trabalho perto de casa e um estímulo para preservar o ambiente. Se isso fosse implementável haveria pessoas interessadas.
Há um conhecido autarca que se quer reformar dessa actividade para ser pastor e até já diz: “a terra para quem a trabalha”. Será que uma nova lei das sesmarias resolveria esta situação? Claro que nos faltam leis inovadoras para regulamentar o uso da terra.
Até agora só tem havido preocupação em abrir estradas para que os que cá estão possam fugir mais depressa e para que alguns venham cá passar um fim-de-semana encurralados numa casa que dizem de campo, mas que cada vez mais se parece com um inestético bunker.
A regionalização não pode servir para querer fazer no Norte a cópia do que se faz no Sul. Também vejo muita gente preocupada com o lado macroeconómico, com indicadores, subtilezas estatísticas e pouca preocupada com os problemas reais. Estamos todos condenados ao racionalismo económico que levará à desertificação inevitável?

Sem comentários:

Aqui pode vir a falar-se de tudo. Renegam-se trivialidades, mas tudo depende da abordagem. Que se não repise o que está por de mais mastigado pelo pensamento redondo dominante. Que se abram perspectivas é o desejo. Que se sustentem pensamentos inovadores. Em Ponte de Lima, como em todo o universo humano, nada nos pode ser estranho.

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"Big Man" 1998 (1,83 de altura) - Obra de Mueck

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