12 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (8)

O PCP assumiu todo o seu sectarismo ao se arrogar a posse de toda a legitimidade revolucionária. Tudo lhe seria permitido, dado o papel pretensamente desempenhado em quase meio século de ditadura e num ano de experiências revolucionárias. Na realidade mesmo na ditadura houve ocasiões em que o seu papel, por demasiado ambicioso, contribuiu para o enfraquecimento da oposição.
O PCP conseguiu estar em todo o lado numa presença obsessiva. Iludiu-se a si própria, mas também reforçou a sua imagem negativa junto da direita, que cada vez mais o via como objectivo a abater. O PCP com a sua pouca mas estruturada força não conseguiu mesmo assim dominar o exército, a economia, a sociedade e foi ganhando anticorpos também em todo o lado.
O radicalismo pequeno burguês de fachada socialista, que Cunhal sempre abominara, viu a sua acção a ser cada vez mais limitada, obrigando a aliar-se aos sectores mais moderados. A sociedade no seu todo cada vez mais virou a costas ao processo revolucionário em curso. Começaram a surgir adversários em todo o lado e o PCP a tentar isolá-los, como se fosse possível a uma pequena minoria controlar a grande maioria.
Em alguns sectores que não constituíam propriamente centros de poder e que não estariam portanto incluídos numa estratégia de tomada do poder instalou-se mesmo assim um clima de suspeição a que nem em ditadura estávamos habituados. O isolamento do PCP levou à exoneração do chefe de governo por si apoiado, Vasco Gonçalves, que, sendo militar tolerado pela ditadura nunca foi um chefe respeitado.
Acima de tudo foi a falta de organização e de unidade entre as forças democráticas que permitiram que mesmo assim o PCP continuasse a sua acção. O PSD era um partido instável sem Sá Carneiro e o PS estava minado por algum esquerdismo. A tradicional direita, como sempre, adoptou estratégias agressivas, de procura do confronto imediato, da destabilização bombista. Acreditando que tudo podia continuar a ser como dantes, aproveitando cada nova ocasião para se afirmar, mas na realidade dava oportunidades ao esquerdismo.
Com o processo de descolonização em fase de chegar ao seu fim, o exército foi-se organizando melhor, as estruturas iniciais do movimento das forças armadas foram retomando as suas rédeas, a anarquia começou a ser combatida e o ânimo revolucionário só se foi mantendo a nível de um certo folclore que o PCP foi continuando a alimentar.

Sem comentários:

Aqui pode vir a falar-se de tudo. Renegam-se trivialidades, mas tudo depende da abordagem. Que se não repise o que está por de mais mastigado pelo pensamento redondo dominante. Que se abram perspectivas é o desejo. Que se sustentem pensamentos inovadores. Em Ponte de Lima, como em todo o universo humano, nada nos pode ser estranho.

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"Big Man" 1998 (1,83 de altura) - Obra de Mueck

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