31 outubro 2008

Momentos da Crise (20)

Descansem as almas, sosseguem os inquietos que esta crise financeira não é a revolução que há-de vir dar casas a todos os descamisados e roupa de marca aos sem abrigo. O capitalismo não morre, muito menos capitula de uma forma tão espontânea, tão rápida, tão sem luta.
Os poderosos sempre andaram em lutas intestinas e nem por isso perderam o poder de modo definitivo. Bárbaros invasores, proletários revolucionários nunca fizeram avançar a liberdade, antes depressa criaram novas formas de aviltamento da condição humana. Não é saudável ter esperança se nada se fizer para mudar já as coisas.
Era efectivamente bom que todos estes problemas se resolvessem e que a sociedade pudesse encontrar sem perseguições vingativas, atropelos à liberdade, humilhações gratuitas, um caminho mais justo, mais equitativo, mais estimulante, mais solidário, mais integrador. Era bom que os homens se preparassem para uma façanha que é imensa.
Só que cada vez mais nós nos enredamos nas malhas da competitividade, da exaltação de pequenas e grandes vitórias individuais, na aritmética dos números que só especialistas entendem, na leitura de índices criados numa lógica de progresso contínuo, na crença em vanguardas, ora de formação ideológica, ora formadas em teoria mercantil.
Deixamo-nos enlear pela mesquinhez dos que se movem pela ânsia de poder, pela visão curta de novos intelectuais que privilegiam a formação de pequenas ilhas de auto-suficiência, pelo imediatismo sem sentido promovido pelos meios de comunicação, pela promiscuidade das ideias e valores.
Evitemos ao menos que o lodo nos não contamina o espírito, não nos deixemos paralisar por sentenças idiotas dos fundamentalistas de todos os matizes, mas principalmente daqueles que lhes aproveitam aleatoriamente alguns pensamentos.

30 outubro 2008

Momentos da Crise (19)

A compra de casa própria passa há uns anos a esta parte pela obtenção de empréstimos específicos na Banca. O critério é fixar um valor indexado à Euribor que portanto se manterá constante, caso esta taxa não sofra alterações. Portanto, sendo um empréstimo a longo prazo, está sujeito a todas as turbulências ocorridas a nível do mais curto prazo.
Como o empréstimo tem um prazo pré-determinado, com base no qual foi determinada a partilha entre juros e amortizações, caso os juros se alterem, como as amortizações terão que se manter no mesmo valor para que terminem dentro do prazo, a diferença nos juros tem de ser paga de imediato.
Mantendo-se o plano de amortização, mesmo que a prestação varie durante o período do empréstimo, o edifício em causa vai entrando progressivamente na posse efectiva do comprador, sendo cada vez menor a parcela do valor inicial que é devida à Banca.
Se o comprador optar por passar a inquilino é evidente que em parte ele passará a ser inquilino dele próprio, a não ser que a Banca lhe recompre a parcela correspondente à amortização efectuada. A renda que será legítimo pagar pela habitação é em parte devida a ele próprio.
Se o comprador optar por, passado um período determinado, voltar a pagar os juros conforme a taxa em vigor e as amortizações pré-definidas, não haverá qualquer prejuízo para ambas as partes.
Se assim for, o sistema será altamente vantajoso para quem estiver em dificuldades, sem que se veja que possa haver aproveitamento indevido da situação. Corresponderá a um adiamento do fim do contrato de compra. Quem não tiver dificuldades não quererá recorrer a este esquema porque quererá acabar a compra da casa o mais cedo possível.
Qualquer avaliação ou reavaliação só é admissível neste processo para fixar a renda temporária ou a renda definitiva se no final do período de arrendamento o comprador optar por desistir da compra e passar a inquilino.

29 outubro 2008

Momentos da Crise (18)

O Patrão do BES já avisou a navegação que vai recorrer às garantias do Estado, não porque precise, o que parece evidente, mas porque se não recorrer, ficará em clara desvantagem competitiva com todos os outros Bancos que dela beneficiem.
Se todos os compradores de casa seguissem a mesma lógica com a aplicação das medidas de que se fala para possibilitar a reversibilidade da sua compra em aluguer e se elas vierem a beneficiar os compradores que deixem de poder pagar, criar-se-ia uma situação complexa.
Se essas medidas trouxerem vantagens evidentes para quem a elas recorrer, é legítimo que todas a elas se candidatem e é impraticável que o Estado aplique algum filtro para evitar que nem todos a elas recorram. De qualquer modo passar um período de turbulência em que indexante anda à deriva com o pagamento de uma renda constante já é um grande benefício.
A renda será sempre só alterável de ano a ano e em montantes de certo modo pequenos. Os juros pagos pelo empréstimo para compra de uma imóvel podem variar trimestralmente e em montantes bem mais elevados. O recurso à renda pode ser pois apelativo para quem se sente pressionado pelo emagrecimento dos rendimentos.
A solução é praticável mas aplicar-lhe critérios discricionários é sempre questionável. Um dos problemas é a obtenção de empréstimos superiores ao valor dos prédios comprados. A avaliação destes pode ser necessária para fixar a renda mas se a diferença for atribuída à obtenção de empréstimos complementares cria-se um situação de difícil destrince.

28 outubro 2008

Momentos da Crise (17)

Nesta crise apareceram os Estados, todos, a apoiar a Banca, dizendo que através dela estão também a apoiar toda a espécie de endividados, de empresários em dificuldades, a apoiar todos os que estão por baixo da média, e vamos lá, até daqueles que tão custosamente a alcançaram.
Claro que daqueles que mais se fala é dos que, apanhados pelo efeito deslizante da Euribor, se viram em pouco tempo perante o problema de a prestação que estavam a pagar ao Banco já quase não chegar para satisfazer só os juros quanto mais as amortizações.
Se assim é, seria lógico que esses juros passassem a renda e que o comprador passasse a inquilino. È evidente que o problema maior é a aplicação a este tipo de empréstimos de uma taxa variável, cujo indexante se comporta de modo tão totalmente imprevisível que pode em curto espaço de tempo duplicar, triplicar ou crescer ainda mais.
Na verdade ninguém se encontra disponível para emprestar dinheiro a tão longo prazo a uma taxa fixa, quando se sabe que ela é insustentável. Ninguém se sujeita a uma imobilização do seu património monetário por tão grande período, antes privilegia a sua aplicação a curto prazo com a obtenção de juro aplicável de momento.
Este empréstimo é pois uma imprevidência só aceite pelo comprador. Para quem queira correr este risco a Banca já deveria prever e incluir no contrato, além do possível resgate do empréstimo possibilitado pela hipoteca, também a convertibilidade de compra em arrendamento. Aplicá-la agora em termos diferentes dos acordos que já a previam é que não parece correcto.

27 outubro 2008

Momentos da Crise (16)

Quando se fala no estado da nossa economia invariavelmente vem à baila o nosso fracasso em termos de competitividade. Só que a competitividade tendo costas tão largas! Ela é interpretada de diferentes formas pelos vários actores, desde políticos a para-políticos e aprendizes de feiticeiro, de modo que nela cabe quase tudo.
Uns atribuem a nossa fraca competitividade porque por cá se pagariam salários excessivos comparados com os dos países produtores da mesma categoria de produto, mesmo que só se tratem de futilidades. A solução passaria por pagar menos, mesmo que se saiba que isso é impraticável. Quem tem uma moeda forte sujeita-se a não ser competitivo.
Outros atribuem a nossa incapacidade para competir com outros à resistência que os nossos trabalhadores têm a se submeterem aos ritmos de actividade a que aqueles estão habituados, mesmo aceitando salários equiparados aos nossos. Na realidade isso não é verdade quando a tecnologia é a mesma e as condições de trabalho idênticas.
Outros ainda concedem todas as culpas de perdermos em competição com os outros à nossa baixa classificação. Não teremos a necessária capacidade para utilizar a tecnologia mais avançada, os métodos mais modernos, a organização mais flexível. Mas também não teremos a dimensão para podermos liderar os sectores mais lucrativos.
Altos salários, fraca produtividade, baixa qualificação, péssima organização, de tudo nos acusam quando se não procura avaliar aquilo que será possível fazer, mas também aquilo que manifestamente nunca estará ao nosso alcance produzir para um mercado aberto, sujeito a uma concorrência desenfreada. Também esta pode ser aperfeiçoada.

26 outubro 2008

Momentos da Crise (15)

As bolsas de valores têm mais detractores que apoiantes e numa primeira apreciação até parece que a razão deveria estar com os primeiros. Mas se nas sociedades em que o dinheiro só tem uma função como moeda de troca não há razão para a existência de bolsas, já quando o dinheiro tem uma função investidora há que assegurar a sua aplicação directa que não apenas em empréstimos à banca e a particulares.
No entanto esta facilidade de instantaneamente compramos e vendemos acções que são parte do capital de sociedades de maior ou menor dimensão, mas sempre significativas, converte uma entidade que é pressuposto ser sólida, ter sido construída com muito esforço e empenho de muita gente e à custa de muito capital, numa entidade vulnerável, sujeita à irracionalidade dos movimentos especulativos de euforia ou pânico.
Mesmo em período de acalmia custa a entender, a quem for estranho a este mundo mais virtual do que qualquer um que a Internet possa criar, que os dividendos pagos por uma empresa cotada na bolsa, que muitas vezes tanta falta lhe fariam para promover investimentos que a projectassem mais no futuro, sejam engolidos repentinamente por movimentos conduzidos por pressupostos desconhecidos.
Aquilo que representa o lucro de um ano de trabalho, que representa o esforço de muito gestor e empregado, pode ser posto em causa num só dia, nos dias de hoje apenas de um dia para outro, parece que após uma noite mal dormida por quem não sabe que fazer ao dinheiro. Como compreender a volatilidade das acções cotadas na bolsa?

25 outubro 2008

Momentos da Crise (14)

Já havia na situação financeira anterior à crise dados suficientes para fazer diferentes avaliações de risco que deveriam prevenir os homens da finança quanto ao equilíbrio e segurança do sistema no seu conjunto.
Um dos dados é a permanente aumento da acumulação capitalista, a cada vez maior canalização de recursos para a posse de alguns apenas, a rarefacção dos restantes proventos por uma cada vez maior classe de dependentes assalariados.
Espalhou-se a promessa de um crescimento sem fim, mas acima de tudo, caiu-se na crença do que ela haveria de contemplar toda a gente, todos beneficiariam progressivamente com ele.
A globalização foi um dos factos que mais contribuiu para a cumulação capitalista pela competitividade que se instalou e pelo aproveitamento de recursos humanos em condições de manifesta desigualdade.
A entrada do grande capital na especulação e na agiotagem levou à drenagem dos recursos financeiros. O capital sem rosto, acumulado e aplicado em fundos de pensões, fundos de investimento e toda a espécie de fundos de complexidade variável, submete-se muito mais facilmente aos determinismos imprimidos aos movimentos especulativos por outros factores que saem do seu controle.
Nos movimentos ascendentes há afluência de liquidez e o fundo lá está para a aplicar. Nos descendentes a necessidade de liquidez implica a venda em turbilhão de activos e a desvalorização geral do fundo. Eis aí a crise.

24 outubro 2008

Momentos da Crise (12)

Nos empréstimos para compra de uma casa é aplicado um juro variável conforme as condições do mercado. Não poderia ser de outra maneira porque o sistema bancário para se financiar também obtém dos particulares, ou doutros parceiros do sistema, empréstimos nas mesmas condições.
Nos empréstimos a curto/médio prazo o sistema bancário corre o risco de aplicar uma taxa fixa que lhe traz vantagens quando os juros descem mas que lhe traz problemas se os juros sobem e pior ainda se estes sobem abruptamente. Nos empréstimos a longo prazo esse risco é demasiado grande para ser corrido.
Quando os juros são baixos parece aliciante pagá-los para que se possa obter a antecipação da compra de um bem. Mas quando os juros duplicam é certa a asfixia financeira do devedor porque normalmente tem o restante do seu rendimento afecto a outros compromissos.
No caso apresentado era necessário que o devedor pudesse dispor de 250 € suplementares para pagar o juro e manter o mesmo plano de amortização. A alternativa tem sido diminuir a parte da prestação destinada a amortização, alongando assim esta. Mas aqui há um limite evidente que é o período de vida útil previsível do devedor.
O comprador só acabará de pagar a sua casa quando for velhinho e o valor que a mesma terá nessa altura será também imprevisível. Além da degradação natural de um edifício qualquer deveria ser tomado em consideração que a sua depreciação em função dos materiais empregues e da evolução tecnológica pode ser drástica.
Toda a gente está com as suas dispensas e armazéns cheios de máquinas, utensílios que revelam bem a evolução que se faz sentir em todos os domínios, que já tem alterado a construção civil, mas que previsivelmente a revolucionará dentro de poucos anos.

23 outubro 2008

Momentos da Crise (11)

Antes de contrair um empréstimo é normal que procuremos saber que juro vamos pagar e qual o plano de amortização que nos é proposto. No entanto quem comprou casa só se preocupou em que a prestação a pagar não fosse muito para além de uma renda de casa normal.
Cada prestação que uma pessoa paga para vir a ser proprietária de um casa passadas umas décadas inclui juro e amortização pelo que um princípio basilar deste método é que o juro inicial seja inferior ao valor de cada prestação para que algo se vá amortizando.
Se uma pessoa dispuser de 500 € por mês para pagamento da prestação de uma casa pode contrair um empréstimo de 100.000 € a um juro de 3%. Neste caso, da sua prestação, 250 € serão o juro que terá que pagar e os outros 250 € serão para amortizar o empréstimo, pelo que no próximo mês o seu débito passa a ser de 99.750 €.
Na próxima prestação 249,375 € serão o juro a pagar e 259,625 € serão para continuar a amortização do empréstimo. O débito vai assim diminuindo e de modo progressivo. De cada vez a parte de juro será menor e a parte de amortização será maior. Se a amortização fosse sempre igual todo o débito seria pago em 400 meses=33 anos e 4 meses. Assim será um pouco mais rápido.
Porém se uma pessoa dispuser dos mesmos 500 €, mas o juro for de 6%, significará que toda a sua disponibilidade é para pagar o juro e nunca conseguirá anular o débito. Ninguém de boa fé emprestaria a uma pessoa destas o dinheiro para comprar uma casa, se não é garantido que a receita se mantenha e que o juro não venha a aumentar
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22 outubro 2008

Momentos da Crise (10)

É normal dizer que quem mais tem mais perde ou que só perde quem tem. A crise insere-se no processo de acumulação capitalista em que uns perdem efectivamente para que outros tenham os ganhos correspondentes. O dinheiro não se esfuma, não sai sequer dos circuitos financeiros, o problema reside somente em saber se é racional extorquir lucro de quem não exerce actividade compatível com o retorno esperado dos empréstimos.
Mas são aqueles que mais dificuldades apresentam em cumprir os compromissos assumidos quem mais tem que suportar toda a espécie de intermediações. O sistema financeiro recorre a múltiplos expedientes para ele próprio pagar um empréstimo contraído que dê suporte a um empréstimo concedido a longo prazo e que vai ser reembolsado a conta gotas.
A aposta do sistema financeira é diferente conforme a dimensão temporal previsível das actividades a financiar. Quem exerce uma actividade industrial, comercial ou de serviços não podendo dar garantias, não tem hipóteses de recorrer a empréstimos que não de curto/médio prazo. No entanto no actual crédito ao consumo, seja qual for o prazo, não se olha à capacidade de cumprir com as obrigações decorrentes da aceitação de financiamento.
No crédito a longo prazo não constitui problema saber que a grande maioria das pessoas que a ele recorre se endivida a tal ponto que deixam de ter possibilidades de pensar em investir numa mudança de vida profissional, no exercício de novas actividades. Condenam-se a um estilo de vida que os persegue durante décadas. Deveremos nós comprometer desta forma o nosso próprio futuro?

21 outubro 2008

Momentos da Crise (9)

As religiões, mais umas do que outras, valorizavam o ser homem, dependendo tal do conceito em que é tido e denegaram nitidamente quem se não enquadrasse nesta visão. Marx atribuiu o supremo valor ao tempo do homem, medida de todas as outras valorizações que, a não ser a económica, não especificou e que deixou ao senso comum atribuir-lhe.
O liberalismo económico atribuiu o supremo valor ao QI, também aceite como a medida pela qual devem ser vistos todos os outros atributos e qualificações. Basicamente são três maneiras diferentes de ver, mas cada uma tem ainda várias interpretações, várias formas de enquadrar e dinamizar a realidade.
Estas três atitudes, quando adquiriram supremacia quase absoluta, levaram até extremos insustentáveis. Quem não contribuir com religiosidade, com disponibilidade ou com QI está para todos os efeitos tramado. Então pensou-se que se poderia construir um mundo estável assente nestas três forças que se aplicariam sob a batuta do liberalismo económico.
O liberalismo económico, como pretenso sobrevivente de todos os outros ascendentes, não desdenha a religião que propõe a resignação, nem o marxismo que propõe a valorização dos operários pelo seu tempo de trabalho. Mas realça a sua própria teoria defendendo serem os cérebros iluminados por ela que são capazes de gerir os destinos do mundo.
Gestores de fortunas, das expectativas, das incertezas do futuro, não só canalizam o investimento e definem as prioridades, como antecipam o futuro, antecipam as suas dúvidas e imprecisões. Na realidade atiram com o futuro para cima de nós.

20 outubro 2008

Momentos da Crise (8)

O dinheiro não desaparece, anda por aí como o outro anda, mas o certo é que se instalou uma enorme ansiedade resultante do medo de ver irrecuperável o dinheiro que se deu por algum bem agora com menos valor ou até sem valor algum. Os negócios não se revertem.
Nos dias de hoje o problema extravasa muito o campo das Bolsas de Valores, embora sejam estas as primeiras a ser penalizadas, porque se presume que será nos negócios lá feitos que o dinheiro é arrebanhado. No entanto, se muito dinheiro sai pelas Bolsas, muito mais é hoje retirado das carteiras das pessoas, utilizando as Bolsas como pretexto.
Os Estados que têm capacidade para isso estão a dar uma almofada à Banca para que ela, nesta fase de desconfiança, mas também na próxima fase de renovação que se tem que seguir, possa fazer o dia a dia sem grandes problemas de liquidez. À medida que se vão arrebentando os balões com que a Banca encheu as suas contas, é necessário suster o seu impacto.
Os técnicos que forem encarregados pelos governos de estudar a reorganização de todo o sistema bancário têm, não só que arquitectar algo de seguro em termos de produtos e títulos passíveis de compra e negociação, como de assegurar uma transição sem grandes percalços.
Em relação a cada investimento feito tem que ser referidas todas as hipóteses de risco que ele pode comportar, incluindo os imponderáveis que a gente avisada sempre detectará aqui como em toda a actividade económica.
A verdade é que este edifício como está não tem salvação. Muita gente terá que “ir plantar batatas” e deixar de andar todos os dias de fato e gravata. A actividade financeira não pode dar de comer a tanta gente cuja actividade é tramar-nos.

19 outubro 2008

Momentos da Crise (7)

Num livro recente Pedro Strecht afirma que a adaptação das expectativas dos pais em relação aos filhos reais que possuem, suas características de personalidade, pontos fortes e fracos é fundamental para um bom percurso escolar dos mais novos.
Também reconhece quanto isto é difícil dado a cultura dos adultos os levar a negar, desvalorizar e manifestar o maior descontentamento e até a humilhar publicamente os filhos.
Tanto assim é também na economia e por arrasto na política em que as expectativas criadas em tempo levam agora a manifestações de verborreia despropositada e injusta. Quem se preocupa em adaptar as suas expectativas às condições objectivas que se vão revelando?
Durante muito tempo as expectativas foram sempre em crescendo, à medida que algumas se iam satisfazendo mais e mais se criaram, criando um clima em que os sentimentos e emoções mais negativas se foram consolidando. Hoje, para bem da saúde mental de muitos, era bom fazer um reajuste das expectativas face às condições reais existentes.
De qualquer modo a maioria das pessoas só cairá no real quando a crise não afectar somente as expectativas, mas vier a afectar algumas das regalias já atingidas no passado. Aliás o mundo só tem a ganhar se se refrear as ambições, as ganâncias, a temperatura de todos os ambientes que, à semelhança da natureza, tem o seu nível próprio para funcionar bem.

18 outubro 2008

Momentos da Crise (6)

Já não será possível submeter o sector financeiro a velhos espartilhos. Como seria pô-lo a trabalhar somente com os velhos produtos que constituíam o seu negócio inicial? Depósitos à ordem, a prazo, empréstimos e participações. Tudo muito claro e preciso. Talvez um produto mais ou menos estruturado, mas com contornos precisos.
E três ou quatro bancos não chegariam para haver a necessária concorrência? Assim se evitaria também o imenso desperdício que hoje se vê na banca. Como é possível que numa pequena Vila, onde toda a gente diz viver em crise, haja mais de cem funcionários bancários?
Esta crise promoveu a dessacralização do sector financeiro, a colocação sob suspeita dos seus dirigentes. Todos sabemos que o dinheiro afecta o carácter das pessoas e estes senhores que vivem nele embrenhados, que não lhe perdem o cheiro, são contaminados pelo seu efeito de corrupção dos espíritos. Ninguém escapa ao seu charme.
Talvez sejam produtos que tinham preparado antes da crise, mas espanta que a publicidade ainda nos traga o mesmo tipo de produtos, o mesmo género de embustes que estão a constituir o desespero de milhões de accionistas que acreditaram na existência de uma base real sólida para eles. Mas para quê se agora só um louco lhes pegaria num fundo que não o têm.
Uma mudança de regras impõe-se, mas são as pessoas que se têm que esclarecer melhor sobre aquilo que lhes querem impingir. Se nos não convencermos que a ganância está por todo o lado não encontraremos solução para este desregramento. Deixar-nos-emos iludir por quem passa a vida a pensar em maneiras de obter lucro com o nosso dinheiro.

17 outubro 2008

Momentos da Crise (5)

As causas da crise serão muitas: Umas internas ao sistema financeiro, outras internas ao sistema económico, outras relativas às relações que se estabelecem entre os dois, outras ainda internas ao sistema económico-financeiro visto como um todo.
Claro que ainda haverá outras razões, estas exteriores, do domínio do sistema político, por exemplo, e daqui, donde se pressuporia uma intervenção pela acção, as culpas na ocorrência da crise até podem ser por omissão. Há falta de regulamentação e até de uma análise objectiva de custos e benefícios que se poderão obter com certos produtos e serviços que o sistema bancário oferece.
O facto de haver pessoas integradas num sistema e que dizem que ele funciona bem e tem hipóteses de desenvolvimento e expansão só quer dizer que na sua perspectiva é possível explorar as suas potencialidades no sentido da obtenção de lucro, mas nada permite dizer que esse sistema esteja a cumprir as funções para que foi criado, que decerto integram o interesse de muitas outras pessoas.
Muitos até reconhecerão que o sistema está inquinado e favorece alguns, mas encaram-no com a naturalidade das coisas inevitáveis. Uns só andam à procura da perversidade do sistema para a explorar. Outros com responsabilidades tentarão suavizá-la.
Aniquilar a perversidade destes sistemas já é uma tarefa complicada e muito difícil, dada a interligação existente entre eles. Quando muito as pessoas procuram caminhos alternativos e não se preocupam com os existentes. Até porque a sociedade já paga imenso a polícias que não fiscalizam e a ladrões que afinal só usam as suas facilidades.

16 outubro 2008

Momentos da Crise (4)

Porque existe tanta volatilidade no mercado de capitais? Como se justifique que uma acção possa ter uma flutuação de valor a nível dos quatrocentos por centos? Os bens que as acções representam são assim tão pouco consistentes face ao valor da moeda que se mantém inalterável? Porque razão a crise actual atingiu o âmago do sistema capitalista?
Quando os próprios detentores de capital promovem a descida tão abrupta da capitalização bolsista, porque só eles têm os títulos para o fazer e o capital para o suster, tornando vulneráveis as empresas representadas, não as farão correr riscos desnecessariamente?
Uma das razões destes factos é a criação pelo sistema bancário de uma série de produtos intermédios de valor discutível que tem por objectivos dar aplicação à massa monetária disponível no mercado.
Outra das razões é que, porque se não querem sujeitar a correr demasiados riscos, os bancos intervêm nos vários níveis de investimento. Trocam participações e produtos, o que dificulta a destrinça de quem se sujeita a correr mais ou menos riscos. Quando caem são todos e só se levantam se for em conjunto.
Por último, dentro desta linha de razões, mas não a última, nem muito menos este grupo será o das mais importantes razões, temos as empresas do sector produtivo e comercial a investir fortemente no mercado financeiro na tentativa de aumentar os seus lucros.
Toda a liquidez que é obtida pelas empresas, e não se prevê ser necessária a curto prazo, é aplicada em produtos financeiros. Perante qualquer abalo no sistema, sendo necessário realizar liquidez, vêem-se perante prejuízos inesperados.

15 outubro 2008

Momentos da Crise (3)

O apóstolo do apocalipse é aquele que diz que surgirá um dia em que tudo será posto em causa. Virtuosos que o contestam dizem sempre que há “coisas” sólidas na nossa vida, valores, comportamentos, instintos, emoções, sentimentos e mesmo “coisas” mais complexas como invejas, ganâncias, ciúmes, umas boas outras menos, mas que se arrastam umas às outras e cujo lado perverso não é suficiente para enlamear as seus aspectos positivos.
Neste sentido o apóstolo da desgraça não será de louvar, mas às vezes é necessário pôr tudo em causa para que o abalo no sistema seja capaz de nos permitir ver até onde as suas raízes estão putrefactas. Que esta crise existia todas a gente sabia, mas os primeiros a denunciá-la são sempre apelidados de alarmistas.
Já os mais interessados na solução da crise, pelo menos aqueles que aparecem como defensores do sistema, acabam por ser os que dizem sempre que os apoios foram poucos e talvez acusem o Estado pela ineficiência geral da economia.
O sistema bancário passa por ser de uma eficiência a toda a prova, mas na realidade não traz valor acrescentado e como sector intermediário só retira da economia em geral os recursos com que se alimenta e que poderiam ter melhor aplicação.
A economia precisa dele, mas é demasiado caro, pesado, representa um custo excessivo. Simplesmente os analistas são eles e não iriam dizer mal de si próprios. Em geral nós vemos com bons olhos o sistema por aquilo que ele nos faculta: Dinheiro de plástico, crédito fácil e acessível.
Comece o sistema a necessitar de se financiar por aí e a aplicar um preço por certos serviços que presta e teremos todos contra ele.

14 outubro 2008

Momentos da Crise (2)

Não estamos condenados a carregar a cruz eterna. Não nos cabe deitar as culpas todas para os outros, mas também não as temos de segurar todas para nós. Navegamos no mar alto, já há muito levantamos âncora e nos fizemos à tormenta e à bonança.
Matamos os poderosos para lhes ficar com as riquezas, quando eles nem para escravos nos serviam. Mas não podemos pagar por isto toda a vida. O tempo é implacável para o bem e para o mal. O passado esquece-se, o destino ainda está por descobrir, valha-nos isto.
Que bom é podermos usufruir desta dúvida, ter esta esperança. Mas convém que a metodizemos, não pode ser assim tão vaga que não lhe reconheçamos um fio condutor que nos leva lá, à terra de todas as promessas, ao mundo que se descortina em todos os sonhos.
Deixemos para o passado aquilo que nunca nos foi explicado, mas que sabemos ter sido resolvido à espada e com a força dos canhões e bombardas. No futuro o tempo sobra-nos. Os outros não nos fazem mal, mas também nós não os incomodaremos.
Porém alguma coisa tem que mudar e para isso não nos podemos fiar só no bom senso, porque ele pode chegar tarde. Também já nos não podemos fiar em velhas teorias. Marx sucumbiu perante tanta abundância de tempo. Algum dia virá em que os marxistas já não terão tempo para vender a ninguém, isto é, já ninguém estará disposto a comprá-lo, pagar por ele.
Algum dia os liberais descobrirão que a competição exacerbada pode ser um desperdício de energia à dimensão a que é feita, tal como a cooperação é muitas vezes um desperdício de tempo para esconder muita ineficiência. Mas pode-se aplicar a cooperação e ter em conta a produtividade e aplicar a competição e não ter em conta o desperdício.

13 outubro 2008

Momentos da Crise (1)

Imensa gente corre, célere, a tentar oferecer serviços que ninguém quer. Os Velhos do Restelo, sempre presentes nestes momentos de maior aflição, declaram-se ufanos por a realidade ter dado razão às suas previsões.
Sempre disseram que ainda há-de chegar o dia em que cada qual cultivará a sua courela, lá permanecerá de sol a sol, munido sempre da eterna sachola, semeando nos regos abertos a pulso a semente do seu desassossego, plantando tudo o que lhe há-de dar o alimento amargo e se a inclemência do tempo tiver comiseração destes infelizes mortais.
Terão razão, vamos nós lá saber! Que eles passam a vida a instruírem-se nas artes da adivinhação e já há muito perderam o vínculo à terra, andam no ar, é verdade. No Restelo não se cultivam hortas e o céu é mesmo azul.
Os nossos lavradores bateram palmas aos primeiros tractores, saudaram o progresso, não decerto a pensar que iriam passar o resto dos seus dias a olhar os passarinhos e a cheirar o odor das flores campestres. Levantaram âncora e deram-se à bolina de modo a chegar a outros ancoradouros mais seguros.
A sociedade tinha mais do que ócio para lhes dar. No entanto o futuro era tão incerto que, na sua voragem, criava vertigens e sonhos de um abrigo perdido. Velhos já somos todos nós!

Aqui pode vir a falar-se de tudo. Renegam-se trivialidades, mas tudo depende da abordagem. Que se não repise o que está por de mais mastigado pelo pensamento redondo dominante. Que se abram perspectivas é o desejo. Que se sustentem pensamentos inovadores. Em Ponte de Lima, como em todo o universo humano, nada nos pode ser estranho.

Acerca de mim

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Ponte de Lima, Alto Minho, Portugal
múltiplas intervenções no espaço cívico

"Big Man" 1998 (1,83 de altura) - Obra de Mueck

"Big Man" 1998 (1,83 de altura) - Obra de Mueck
O mais perfeito retrato da solidão humana