30 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (25)

A ideologia do PC assenta num determinismo inquestionável, na defesa de um poder forte, pelo menos enquanto não forem adoçados os instintos tidos por mais anti-sociais da natureza humana. Mas se o determinismo não age no sentido esperado nada impede que procure usar todos aqueles instintos no sentido de combater o poder instituído.
Há pois situações em que o PC não pode defender um poder forte se ele procurar levar a sociedade numa direcção diferente e não pode fazer um combate aos instintos anti-sociais se esse combate ajudar a fortalecer uma sociedade que ele rejeita.
Com o 25 de Novembro de 1975 o PC perdeu a perna que tinha no poder e passou a atacar este como causador de todas as perversões, porque a teoria comunista aceita que há períodos regressivos em que a humanidade expia as suas penas, aceita perder mas não aceita não ter razão.
Esta religiosidade laica levou o PC e os esquerdistas em geral a lutar pela destruição do Estado após o 25 de Novembro. Mas facilmente obrigados a desistir desses intentos, os esquerdistas tornaram-se em julgadores e justiceiros que proclamam a desgraça em que a humanidade se deixou cair e prometem uma amanhã encantado para todos, sem que deixem de achar ser fundamental castigar antes alguns com as labaredas do seu inferno.
Todos nos admiramos, todos os que se pretendem intelectuais, se deveriam questionar seriamente por que motivo eles, ou pelo menos alguns deles, se deixaram enredar nas teias de um sistema de raciocínio que defende a impiedade e renega qualquer espécie de laicismo. Porque não cabe aos intelectuais defender a aplicação de qualquer expiação de penas de forma abstracta e impessoal.

29 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (24)

Durante o PREC o PC sempre teve uma perna maior ou menor no poder. Dentro do quadro normal dos seus valores sempre defendeu o fortalecimento do Estado, do poder de Estado, dum rumo só para o Estado, do controlo e destruição das forças que se lhe opusessem. Naquela altura não importava ser o Estado herdado, desde que estivesse ao seu serviço.
Era uma política de verdade porque correspondia à ideia que as pessoas tinham, tornava claros os seus objectivos, ia a favor das ideias de segurança e previsibilidade glorificadas durante décadas e a que o PC pretendia dar seguimento. Afinal ter um legionário num lugar bem visível era sinal de como a transição podia ser pacífica.
Os intelectuais de várias tendências de antes do 25 de Abril convergiam na análise desse problema. Pensavam que não havia País melhor preparado para aceitar o comunismo de que Portugal. Isso derivava de muitos erros cometidos no passado, da implementação de um regime totalitário num País rural e atrasado como a Rússia, a que à nossa dimensão nos assemelhávamos.
Se o comunismo tinha vingado “bem” nesse País, se esse País tinha conseguido progresso científico, tecnológico e em parte industrial, dizia-se que também nós, partindo de uma base rural semelhante, com os “latifúndios” do Sul nacionalizados, criaríamos desenvolvimento sem mudar muito a estrutura da sociedade, sem grandes conflitos sociais.
Afinal os ricos eram poucos, umas famílias apenas, os pobres e resignados eram quase todos, prontos a aceitar um vergalho comunista após aquele que nos tinha sido imposto pelo fascismo. Para o Norte, tido como único problema que se colocava, minifundiário, individualista como era, mas subserviente, logo se arranjaria uma solução.

28 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (23)

As circunstâncias em que as pessoas formulavam as suas expectativas em 1974, 1975 ou nos dias de hoje são claramente diferentes. Isto tem que ser relembrado tanto a quem viveu esses momentos, como também aos jovens que não nem qualquer experiência de vida numa sociedade fechada.
Essas circunstâncias são externas, são mais de natureza económica política e sociológica, mas também têm uma repercussão na esfera particular, isto é psicológica. Vendo por este prisma as diferenças de comportamento de pessoas do mesmo tipo nestes dois momentos históricos são claras.
Os idealistas do PREC não defendiam a bela vida da classe média tão do agrado do Bloco de Esquerda de hoje. Os idealistas do PREC não viam a vida dos verdadeiramente ricos como o modelo a atingir por eles. Os idealistas do PREC eram comedidos nas suas expectativas, embora quisessem, como é natural, ter sempre uma vida boa, mas modesta.
Os operários do PREC não ambicionavam a bela vida da classe média de hoje. Os operários queriam não ter problemas de alimentação, ter uma casa mesmo pequena para habitar, poder dar aos filhos um pouco mais de educação do que aquela que tinham recebido. Esse tipo de operários hoje já não existe, a não ser sob a forma dos reformados que continuam a falar dum mundo definitivamente morto.
O mundo que era expectável a partir do PREC suscitou a adesão dalguns idealistas e do sector operário mas acabou por não ser suficientemente apelativo para atrair a força psicológica capaz de aguentar a sua defesa. O mundo que é expectável a partir de hoje nem sequer atrai quaisquer energias idealistas, tudo se resume a ambicionar uma vida cada vez mais bela para a classe média e lutar por chegar a ela.

27 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (22)

O esquerdismo actual perdeu uma das suas mais célebres, mais controversas, mas mesmo assim mais generosas bandeiras: O Internacionalismo. A esquerda clássica ficou sem farol, deixou de ter uma orientação, deixou de invocar causas internacionalistas. Esporadicamente apoia uns regimes caquécticos, resquícios dos velhos apoiados da URSS como a Coreia do Norte, Cuba, Zimbabué, outros antigos inimigos daquela, como a China, novas e velhas ditaduras anti-americanas.
O esquerdismo actual é nacionalista, fechado, incapaz de uma leitura coerente do panorama mundial, olhando somente para a barriga e a vida boa das classes médias urbanas do velho mundo. A solidariedade com o resto do mundo fica-se ao nível das ONG que mais parecem servir para dar emprego a gente desenraizada, mas não têm qualquer papel político. Os povos do terceiro mundo perderam o seu encanto de jovens miseráveis.
O esquerdismo actual abdicou de participar em fóruns internacionais, quase se diria que não tem parceiros, é um fenómeno português, sem preocupação em deixar de o ser, em se projectar. Aliás nós somos um País de copiadores, não digo que alguns não tenham alguma qualidade. A nossa política faz-se sempre com uma atraso relativo bastante grande. Em muitos aspectos e durante muitos anos o nosso paradigma era a França.
O esquerdismo militante europeu já há muito se extinguiu. Os ecologistas perderam influência com as suas contradições. O trabalho dos esquerdistas portugueses, a seguir o mesmo caminho daqueles, é para deitar fora. Qualquer dia o esquerdismo já nem a linguagem controla, ou porque caiu na vulgarização ou pela vulgarização que dela fazem os órgãos de comunicação.

26 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (21)

O esquerdismo actual é um estado de espírito da meia idade. Consiste numa contestação generalizada a tudo o que é alheio aos princípios libertários. A esquerda clássica não os defende mas à falta de objectivos concretos inseríveis numa estratégia de tomada de poder, vai dando cobertura a todas as manifestações de desagrado, sejam quais forem os sectores sociais que os patrocinem.
Essa esquerda clássica chama a isto agitação. Para o esquerdismo actual a agitação é um fim em si mesmo. Entendimentos são aqueles que se possam fazer com cláusulas impossíveis de concretizar. Depois anda-se a dizer toda a vida que falta cumpri-los. O esquerdismo actual está muito perto do niilismo porque não faz noção do que fazer com o poder.
A esquerda clássica sonha sempre poder ser chamada a exercer o poder no meio da anarquia. A sua ideia é, deposta a direita, colocar um colete-de-forças à esquerda. A esquerda clássica já não tem classe operária para tomar e exercer o poder. Parece agora acreditar no seu inimigo principal, o radicalismo pequeno burguês de fachada socialista, como capaz de fazer a agitação e tomar o poder.
A agitação apoia todos os movimentos contestatários por mais contraditórios que sejam. A esquerda clássica, temerosa de poderem surgir roturas que afectem o clima de agitação criado, com os centros de controlo que ainda detém, vai gerindo esses movimentos dentro dos parâmetros que mais lhe convém. Há algum carácter suicidário que ela rejeita.
Um dos problemas do esquerdismo é que embora aborde alguns problemas da juventude, não o faz de modo que esta se sinta entusiasmada a participar. Mesmo a sexualidade já há muito deixou de ser um problema só para a esquerda. Os comportamentos são cada vez mais semelhantes e essa revolução operou-se à margem da política, sendo muito mais influenciada pela ciência e pela economia.

25 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (20)

Muitos movimentos políticos que se propagaram facilmente nos movimentos juvenis tiveram muitas vezes a sua origem em pessoas mais velhas, com experiências diversas, mas que souberam passar a sua mensagem à juventude, de tal modo mesmo que sempre pensamos estar perante movimentos genuinamente juvenis.
O esquerdismo actual está longe de ser um movimento desse tipo. O esquerdismo actual torna os jovens prematuramente velhos. A política proposta pelo esquerdismo actual é a política dos ressabiados, dos justiceiros, daqueles que se querem vingar do povo por não terem tido a sua adesão quando viram o poder tão perto, como a 25 de Novembro de 1975.
O povo renunciou a muita intervenção, mas não renunciou à defesa de alguns princípios básicos. Quem no final perdeu foi quem muitas vezes pensou já ter obtido vitórias definitivas. Mas mesmo estes pensam ter ganho alguma coisa, não é despiciendo pensar que um dia se teve o poder tão perto da mão. A arrogância do esquerdismo actual provém desta época para muitos remota.
Embora à distância nos parecer que o PREC foi vivido a um ritmo alucinante, na verdade foi vivido às guinadas, com arranques e recuos, períodos longos de acalmia, no fundo poucos estariam preparados para em consciência terem uma opinião consistente sobre os momentos que se viviam. Deixava-se ver no que as coisas davam durante o tempo suficiente para pensar, para aglutinar forças, para organizar, para consolidar.
Se verificarmos o resultado final a 25 de Novembro de 1975, mesmo tendo terminado nesta derrota em parte consentida, houve uma mudança tal desde 25 de Abril que, se as coisas tivessem sido vividas linearmente, tê-lo-iam que ser a um ritmo vibrante. Há uma memória eufórica e intelectualizada destes tempos, mas que a juventude não compreende se não lhe for explicada honestamente, que serve de sustentáculo ao esquerdismo actual.

24 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (19)

Após o 25 de Abril de 1974 instituiu-se a renúncia como a primeira atitude a promover, a incentivar. A renúncia a desempenhar um papel activo na descolonização foi talvez a que teve mais implicações. Num mundo bipolar, Cunhal e o movimento comunistas não atribuíam a Portugal qualquer papel nas colónias. Cunhal sonhava só com este quinhão atlântico.
Na Rússia de 1917 houve a conversão rápida de um exército imperial num exército revolucionário, proporcionada pela paz com a Alemanha. No Portugal de 1974 o teatro de guerra estava longe do velho torrão pátria, não era fácil uma intervenção directa no exército, haveria tão só de promover a renúncia a um papel para o qual não tínhamos capacidade.
Cada colónia portuguesa se desenrascou como pode. Aquela mais rica, com forças mais ambiciosas nela interessadas foi entregue aos cubanos desempregados. Cunhal não reservou para os seus conterrâneos um papel fora das nossas fronteiras e ainda hoje assim é. Mas o facto de ter anarquizado o exército devido à descolonização que patrocinou levou a não tivesse exército a que recorrer quando quis fazer a revolução, a 25 de Novembro de 1975.
O pouco exército que resistiu permaneceu fiel às intenções mais genuinamente democráticas do 25 de Abril. Alguns espíritos não resistiram ao ritmo imposto à revolução, recuaram e avançaram fora de tempo, só porque imaginaram uma revolução que não fosse contaminada pelo carácter soviético preponderante na esquerda lusitana. Otelo, por exemplo, teve comportamentos de uma disparidade absoluta.
O povo renunciou a muita intervenção, mas não renunciou à defesa de alguns princípios básicos. Quem no final perdeu foi quem muitas vezes pensou já ter obtido vitórias definitivas. Mas mesmo estes pensam ter ganho alguma coisa, não é despiciendo pensar que um dia se teve o poder na mão. A arrogância do esquerdismo actual provém desta época para muitos remota.

23 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (18)

Após o 25 de Abril de 1974 cada sector político procurava imprimir à actividade política o ritmo que mais se adequava aos seus próprios interesses e objectivos. O interesse do País não era apropriado por ninguém, havia uma preocupação permanente em que a direita dele se não arrogasse de novo. Por isso foi tão fácil a revolução se desfazer de Spínola e outros que tais.
Após o 11 de Março de 1975 o País viu-se repentinamente com um menino na mão e entre incrédulo e preocupado votou em 25 de Abril de 1976 por uma via contraditória com esta. Sem enjeitar o menino, as nacionalizações, o País lá o foi alimentando, mantendo-se durante os oito meses seguintes uma luta constante e persistente entre as duas legitimidades, a democrática e a revolucionária.
O lado revolucionário procurou elevar determinados objectivos, como as nacionalizações, a objectivos nacionais incontestáveis, consensuais, estratégicos. O lado revolucionário procurava mesmo desculpabilizar-se do ritmo que as coisas haviam adquirido, atribuindo à direita, aos proprietários e gestores toda a espécie de intenções menos boas. De preferência fazia-se com que o abandono fosse a causa, por mais fácil de justificar.
O ritmo sempre foi o aspecto mais complicado para os revolucionários que não entendem a sua ligação aos aspectos emocionais e não puramente teóricos. Os revolucionários mordem-se de inveja quando comparam comportamentos individuais e vêm uma pessoa trabalhar com denodo para um capitalista e arrastar-se penosamente no trabalho dito colectivo.
O PC cedo se apercebeu que a direita iria jogar com os nossos ritmos. Por isso um acenar constante com o perigo das provocações da direita, de esta querer obrigar à tomada de posições precipitadas, de esta afinal imprimir o ritmo que achava mais adequado ao descrédito da esquerda. O PC não resistiu ao engodo e haveria de assumir algo do papel que durante quarenta anos Salazar sem razão lhe atribuía. Os comunistas falharam. Os esquerdistas haveriam de resistir.

22 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (17)

A cada etapa que o esquerdismo ia prosseguindo mediante os erros de uma direita acéfala, cometidos entre 25 de Abril de 1974 e 11 de Março de 1975, sempre se ponha o problema do ritmo. O PC que influenciava mas não dominava os centros de decisão, que não promovia grandes saltos mas também os não rejeitava, que partira dum aparelho embrionário para uma estrutura em aprendizagem, precisava de tempo.
A consolidação era uma palavra-chave numa política de passos seguros. O tom paternalista para os mais aventureiros, o tom agressivo para os opositores declarados, o tom afável para os militares, o tom sereno para os apoiantes, o tom anestesiante para os indiferentes, eram empregues pelo PC de modo a disfarçar uma vivência nervosa duma situação complicada.
Perante uma relação de forças desfavorável, o PC acreditava na consolidação do seu próprio aparelho, na melhoria do ambiente de apoio exterior. Um momento chegou em que os antecessores dos actuais esquerdistas com origens no radicalismo pequeno burguês de fachada socialista passaram a constituir o inimigo principal do PC pelo efeito destabilizador e de descontrolo. O PC queria impor o seu ritmo após o período de aventura. Até como aparelho já tinha mais a perder que a ganhar.
Com a derrota dos comunistas em 25 de Novembro de 1975 ficaram mais livres os esquerdistas. Paradoxalmente também os comunistas do PC ficaram libertos da aplicação de um ritmo de poder quando o não exerciam senão virtualmente. A partir daí não faltou substância para o esquerdismo se alimentar, nem espaço para existir, o que seria problemático se o PC fosse poder.
Numa espécie de vingança contra um regime que o rejeita o PC passou a dar cobertura a todas as contestações. Como para todo o esquerdismo o poder deixou de estar nos seus objectivos. A queda do muro de Berlim acentuou o seu desespero. Hoje o PC não se enerva porque não quer ser poder. Satisfaz-se em ser contra-poder e destruir somente.

21 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (16)

O universo dos bons que os comunistas urdiram no PREC tinha gente de muita índole, assim como a tinha o pretenso universo dos maus. Um Portugal tão pequeno mas tão diverso tinha gente a viver diversificadas circunstâncias, mais do que gente de diversificados sentimentos.
Todos os justiceiros do mundo acabam por adoptar essa linguagem redutora. Para eles não faz sentido reconhecer que há bons no campo inimigo, senão que temporariamente. Eles aceitam ter que fazer um esforço de evangelização para captarem para o seu lado aqueles bons ou maus que se encontram no lado oposto.
A partir de um último dia, embora se lhes possa reconhecer tudo para serem bons, deixam automaticamente de o poderem ser por estarem do lado de lá da barricada. Esse dia é normalmente um momento de verdade escolhido pelos justiceiros do mundo quando se acham com poder suficiente para tal.
Só que no caso dos comunistas portugueses o seu momento de verdade foi o 25 de Novembro de 1975 e constituiu uma pesada derrota. Continuaram com os seus exercícios mentais de criar amigos e inimigos mas sem que possam em qualquer tempo e lugar decidir que chegou outro momento de decisão a um nível tão elevado.
Como em todos os justiceiros do mundo havia bons e bons. Uns genuínos, pacíficos, no Sul, que viveram todas as dificuldades. Outros arrivistas, grosseiros, artificiais, agressivos no Norte, capazes de fazer alarde de uma razão que lhes faltava.
A sua situação de minoritários parecia concentrar neles a força de uma grupo mais vasto, como se num mundo de apáticos e manipuláveis uma superior condição de vanguardistas lhes garantisse uma força suplementar. Para estes só pode haver bondade na condescendência de que é capaz a sua genuína e perversa maldade.

20 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (15)

Dividir o mundo entre bons e maus é erro em que quase fatidicamente caímos. Quase todo o nosso conhecimento histórico nos foi induzido dessa maneira. A simplificação dicotómica é necessária ao nosso conhecimento analítico mas quando a aplicamos na síntese é invariavelmente redutora.
Por isso é importante situarmo-nos em termos de seriedade intelectual. É diferente estarmos a fazer a análise ou uma síntese porque esta tem que ser o resultado de muitas análises. As tentativas revolucionárias passam sempre por procurar dividir as pessoas entre boas e más, juntando às boas muitas más para fazerem o número necessário enquanto for preciso.
Os esquerdistas portugueses sempre viveram na ilusória euforia de conseguirem uma maioria de bons, claro que na sua definição, mesmo quando era óbvio que não. O que distingue os comunistas dos outros esquerdistas é o traço da linha de fractura que acham ideal para criar as condições necessárias para tornarem uma tomada do poder viável.
Para os comunistas a situação económica é decisiva sem descorar toda a espécie de apoios que possam vir de fora dos teoricamente abrangidos. Erra porque não avalia as condições de dependência/independência que a situação económica de cada um determinam e que criam os pobres de direita e os ricos de esquerda. Toda a situação económica tem muito de subjectivo.
Para os radicais pequenos burgueses, ditos de fachada socialista, assume-se que a rotura tem que ser promovida em termos essencialmente intelectuais e a disponibilidade que por essa via se pode criar é independente das condições económicas objectivas. Marginalizam-se os pobres que politicamente o não são e os ricos que o assumem
Os radicais também erram porque, se conseguem ter capacidade discursiva para chegar ao universo pessoal de cada um, baqueiam ou se suicidam mesmo nos momentos decisivos e têm horror aos momentos de verdade.

19 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (14)

No período entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975 ocorreram factos decisivos independentemente da nossa apreciação mas também do conhecimento da sua própria existência. Porque se muitas vezes nos interrogamos porquê as coisas subitamente aconteceram de uma maneira não prevista é porque nos foi impossível acompanhar tudo o que se tenha passado.
O mais importante para as pessoas mais activas são porém os momentos de glória, aqueles factos que lhes dão razão, que passam a constituir para eles o ponto fulcral dos acontecimentos, aqueles que se buscam com mais ou menos ansiedade para dar colorido e razão à existência.
O problema desta forma de agir é as pessoas se deixarem arrastar pela emoção em detrimento da racionalidade e sabermos nós que nem toda a nossa emoção se criou com base na nossa racionalidade. A questão maior é que esta forma de agir pressupõe que, havendo momentos de glória, eles serão interpretados por outros como momentos de desgraça.
Se do lado vencedor se procurará consolidar a situação, do lado oposto se procurará reverter a saída. Os líderes, mesmo sabendo não serem estes momentos decisivos, procurarão que eles ocorram parra aumentar o fervor dos apoiantes e estes procurá-los-ão à falta de melhor interpretação da história.
Mas os líderes não deixarão de buscar os momentos da verdade, sabendo que eles existem e são de resultado irreversível, pelo menos em tempo útil. Preparar a chegada a um momento de verdade é estar atento aos momentos decisivos e não se deixar arrastar pelos momentos de glória. De vitória em vitória até à derrota final a 25 de Novembro de 1975 foi Cunhal.

18 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (13)

A partir de 11 de Março de 1975 o Estado foi-se apropriando dos meios de produção mais significativos. Defendia-se a legalidade de três modelos de economia e a possibilidade da sua coexistência. Esses modelos eram o empresarial, o cooperativo e o nacionalizado, sendo que este último era o obtido de forma revolucionária.
O sector empresarial privado foi-se degradando por falta de financiamento, o cooperativo não evoluiu porque os cooperantes queriam sempre benefícios de imediato dos hipotéticos lucros, não reinvestia, o nacionalizado não estava em condições de prescindir do apoio do Estado para se desenvolver e este cada vez tinha menos meios.
As mudanças de posse levou à estagnação, à desorientação porque o Estado em vez de meios para redistribuir passou a ter encargos a suportar. A economia continuou a funcionar por inércia na mesma lógica que tinha antes com diferentes apropriadores das suas mais valias, mas com uma progressiva desvalorização destas.
Não havia metas nem agressividade na gestão. O normal era a gestão defensiva, de modo a minimizar as transferências de e para o Estado. Os saneamentos do aparelho de Estado fizeram-se mais pelo abandono do que pela exoneração. Os gestores continuaram a ser os mesmos na sua maioria.
Com tão pouca gente qualificada os que lá estavam seriam sempre os que lá ficariam mesmo que se operasse novo golpe e se instituísse uma ditadura à esquerda. Mas, embora isso não fosse preocupação, ninguém queria trabalhar para um sistema de economia centralizado, dirigista, obediente à ideologia e não à economia.
Entre a população e a verbosidade esquerdistas criou-se um fosso imenso, que as tentativas de controlo dos meios de comunicação só acentuaram. A sociedade não acompanhou a dinâmica que se quis imprimir à economia de forma anárquica. Os limites da propriedade entraram no domínio das preocupações porque ninguém quer abdicar da sua.

17 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (12)

No período entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975 pode-se dizer que as coisas aconteciam, as mudanças operavam-se com muito empenho verbal e pouco empenho operacional. A esquerda limitava-se a umas labaredas ameaçadoras e esperava que a direita cometesse erros, fizesse alguma asneira, para avançar.
Este processo que ainda hoje a extrema-esquerda usa nunca vai além da verborreia, não exige organização, não envolve meios, nem riscos. A facilidade com que todos os ditos processos revolucionários se desenvolveram no pós 25 de Abril leva muitos hoje a tentar recriar ambientes do mesmo fervor em que praticamente só o insulto e a má criação ficam como marca distintiva.
O risco é tão só uma identificação policial, nem chega à velha bofetada ou ao mais antigo duelo de defesa da honra. Hoje a extrema-esquerda é baixa, “filha” daqueles que no pós 25 de Abril corriam atrás de um escudo militar sem honra, nem glória.
Momentos decisivos no PREC foram criados pela direita estupefacta e quando a esquerda democrática resolveu intervir de forma mais autónoma e deliberada, os seus “pais” correram sempre atrás do prejuízo.
Só uma vez Álvaro Cunhal terá sido colocado entre a espada e a parede, isto é, obrigado a assumir as responsabilidades, a tomar um posição inequívoca, a submeter-se a uma decisão em que já não era ele que configurava os contornos e escolhia as implicações e o momento. Foi a 25 de Novembro de 1975 e aí perdeu.

16 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (11)

O período de 25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975 foi fértil em acontecimentos que foram contribuindo essencialmente para nos conhecemos melhor, para irmos mudando a forma como nos avaliávamos uns aos outros antes do 25 de Abril numa sociedade que para os fascistas e para os antifascistas era dicotómica.
A maioria da população era não participativa, apática mesmo, não sabia bem daquilo que ela própria seria capaz. Marcelo Caetano, que criou algumas esperanças, viria a defraudá-las todas, acabando sob os efeitos do mais banal dos acontecimentos: O fim das vacas gordas a que se conformou.
Sá Carneiro viria a ser a esperança na possibilidade da via que o marcelismo não conseguiu ser. A sua morte só viria a confirmar que a morte não é a confirmação de nada. A grande volatilidade a que estava submetida a vida social a política não permitiu que a sua via lhe tenha sobrevivido a não ser sob uma forma mitigada de cavaquismo.
Mas no PREC Sá Carneiro tinha um forte apoio militar só que nem sempre concretizado devido às vicissitudes da sua própria vida pessoal e política. A corrente de Sá Carneiro viria a adquirir mais tarde a importância que não teve no PREC. Aqui tudo se discutiu como se houvesse um socialismo consolidado, irreversível e inquestionável.
Os sectores vanguardistas tudo tentaram para continuar a pôr as questões em termos simplistas, dicotómicos, como se houvesse suporte para manter este estado de coisas tão “avançado”. Por força desta situação continuamos a ignorar muitas das nossas características. Interessava tão só o apoio, não interessava ir mais além no conhecimento dos que apoiavam.
Uns acobertavam-se debaixo do rótulo de progressistas, outros assumiram claramente o “reviralho”, embora poucos sonhassem voltar à situação anterior ao 25 de Abril. A maioria expectava, mas já ninguém era indiferente.

15 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (10)

No período de 25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975 todos os dias ocorriam acontecimentos decisivos, em certo grau determinantes para a continuação do processo. A 25 de Abril deu-se-lhe início, mas todos os dias que se seguiam deram a sua contribuição para precisar, clarificar, corrigir.
No dia 25 de Abril muito foi posto em causa, tudo se sujeitou a uma forma diferente de deliberação daquele que existia no dia anterior. Mas tudo foi sendo decidido aos poucos, confirmado ou alterado conforme a conveniência, modificado de forma irreversível ou não.
É necessário considerar que, se o método de tomada de decisão mudou, o arbítrio de cada um permaneceu o mesmo e só lentamente foi evoluindo. As pessoas não mudam repentinamente, só poucas ousam abandonar os processos mentais a que estão habituadas. No geral mesmo estes procuram conviver com os dois processos, um mais elaborado que outro e aplicam-nos conforme as conveniências.
Poucos tinham o seu processo mental clandestino mais elaborado que o usual porque poucos suspeitavam vir a ter dele necessidade como processo mais avançado, mais apropriado para uma situação mais democrática ou revolucionária. Esses passaram a agir doutro modo mas com naturalidade.
Outros adoptaram processos mentais para si novos, de todo não compatíveis com a sua estrutura mental, a não ser por permitirem a aplicação dos mesmos comportamentos agressivos. Quando menos ponderada é uma pessoa mais radicalmente pode mudar.
Mas genericamente o comportamento das pessoas foi comedido, receptivo à necessidade de haver mudanças, aceitando que, mesmo sem ter uma participação muito activa, se alterassem os aspectos claramente prepotentes do regime anterior. Poucos porém aceitariam uma prepotência com novas vestes.

14 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (9)

Entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975 ocorreu um período de tanta ebulição, tanta mudança mesmo que reversível, tantos acontecimentos que têm suscitado atenção e estudo que vai ser necessário analisar com cada vez mais precisão.
Há uma clara vantagem em relação a outros fenómenos do género porque ocorreram num país pequeno, numa amplitude e rapidez nunca vistas, em que se não houve consolidação das situações, houve mesmo assim tempo para tirar conclusões e seguir novos rumos.
Para aqueles que viveram este período a valorização que atribuem aos vários acontecimentos pode se ver desde logo pela medida do tempo vivido. Nas ocasiões de avanço o tempo contava muito, isto é, em pouco tempo se vivia uma eternidade. Nas ocasiões de retrocesso o tempo contava pouco, era tempo em que se esquecia o reverso para continuar a viver a euforia.
E outros, segundo a sua própria simpatia, veriam as coisas ao contrário. O problema está sempre para quem não aceita as interpretações lineares dos acontecimentos. Esses têm sempre mais dificuldade do que aqueles que já têm ideias prévias, mesmo que menos correctas porque analisaram a realidade somente segundo os seus próprios valores.
Também o carácter decisivo de certos momentos está sujeito a interpretações variadas, principalmente no que se refere à produção de efeitos consolidados ou tão só o maior ou menor grau de vantagens psicológicas que deles advierem.
Momentos decisivas foram subestimados na altura, como não tendo efeitos determinantes, outros foram supra valorizados para que o seu efeito psicológico fosse anestesiante bastante para neutralizar as forças adversas.
Hoje as coisas têm que ser lidas pelos efeitos efectivamente produzidos, servindo isto também para avaliar o grau de ilusão que existia no comportamento de cada um.

13 junho 2008

A desfaçatez e a incoerência de Paulo Portas

Nada poderia acontecer de melhor do que o que ocorreu nos últimos dias para justificar a valia e a força de dois dos ministros mais contestados pela oposição, em particular por Paulo Portas. Os ministros da Agricultura e Pescas e das Obras Públicas e Comunicações demonstraram estar preparados para desempenhar as suas funções de forma extremamente eficaz e rápida.
Aqui há meses a imprensa que, pior que a oposição, só vê as coisa pela rama e é de todo incapaz de ter uma visão avalizada sobre as qualidades necessárias para um bom desempenho no governo, virou baterias para estes ministros e mais um ou dois, apresentando-os como remodeláveis. Afinal a oposição estava certa, queria afastar os melhores. A imprensa é que fica mal porque estava a querer fazer um frete à oposição.
O senhor Paulo Portas, estupefacto embora com o desempenho daqueles ministros, não dá o braço a torcer, continua a querer roer-lhes os calcanhares. Antes apelou ao diálogo. Resolvida a crise diz que se teria exigido mais músculo. É a maior desfaçatez possível.
Paulo Portas é bicho que não se dá por vencido facilmente. Possivelmente depois das próximas eleições ir-se-á de novo embora. A nossa situação não é propícia a políticos tão descarados. As nossas referências, seja à direita, seja à esquerda ainda bem que não são de tão baixo nível. No futuro Paulo Portas será uma excrescência na política e mesmo na direita.
Era bom que o caso destes dois ministros pudesse ser estudado a sério para que cheguemos à conclusão que os resultados se não devem à sorte mas essencialmente a uma questão de método. Os métodos destes ministros não podem ser seguidos com o espalhafato mediático que outros fornecem para ganharem visibilidade barata.

12 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (8)

O PCP assumiu todo o seu sectarismo ao se arrogar a posse de toda a legitimidade revolucionária. Tudo lhe seria permitido, dado o papel pretensamente desempenhado em quase meio século de ditadura e num ano de experiências revolucionárias. Na realidade mesmo na ditadura houve ocasiões em que o seu papel, por demasiado ambicioso, contribuiu para o enfraquecimento da oposição.
O PCP conseguiu estar em todo o lado numa presença obsessiva. Iludiu-se a si própria, mas também reforçou a sua imagem negativa junto da direita, que cada vez mais o via como objectivo a abater. O PCP com a sua pouca mas estruturada força não conseguiu mesmo assim dominar o exército, a economia, a sociedade e foi ganhando anticorpos também em todo o lado.
O radicalismo pequeno burguês de fachada socialista, que Cunhal sempre abominara, viu a sua acção a ser cada vez mais limitada, obrigando a aliar-se aos sectores mais moderados. A sociedade no seu todo cada vez mais virou a costas ao processo revolucionário em curso. Começaram a surgir adversários em todo o lado e o PCP a tentar isolá-los, como se fosse possível a uma pequena minoria controlar a grande maioria.
Em alguns sectores que não constituíam propriamente centros de poder e que não estariam portanto incluídos numa estratégia de tomada do poder instalou-se mesmo assim um clima de suspeição a que nem em ditadura estávamos habituados. O isolamento do PCP levou à exoneração do chefe de governo por si apoiado, Vasco Gonçalves, que, sendo militar tolerado pela ditadura nunca foi um chefe respeitado.
Acima de tudo foi a falta de organização e de unidade entre as forças democráticas que permitiram que mesmo assim o PCP continuasse a sua acção. O PSD era um partido instável sem Sá Carneiro e o PS estava minado por algum esquerdismo. A tradicional direita, como sempre, adoptou estratégias agressivas, de procura do confronto imediato, da destabilização bombista. Acreditando que tudo podia continuar a ser como dantes, aproveitando cada nova ocasião para se afirmar, mas na realidade dava oportunidades ao esquerdismo.
Com o processo de descolonização em fase de chegar ao seu fim, o exército foi-se organizando melhor, as estruturas iniciais do movimento das forças armadas foram retomando as suas rédeas, a anarquia começou a ser combatida e o ânimo revolucionário só se foi mantendo a nível de um certo folclore que o PCP foi continuando a alimentar.

11 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (7)

O Verão dito quente de 1975 foi vivido de modo muito diverso pelas pessoas. O PREC não era coisa que apoquentasse a maioria, afinal porque se não viam mudanças significativas nas suas vidas. Mas cedo o PCP assumiu um isolamento irredutível que levou a que se não manifestasse qualquer solidariedade quando a sua existência prática ia sendo posta em causa.
O PCP enveredou pelo assumir em exclusivo de uma legitimidade revolucionária que, além de controversa, nenhuma instituição lhe deu, nenhum voto lhe atribuiu. Utilizou a natural atitude defensiva das pessoas que, a pretexto da não radicalização das posições, foram-no deixando avançar, convencidos é certo de que, quando fosse necessário, o fariam parar.
O Verão de 1975 não foi fácil para os trabalhadores, foi fácil para estudantes e pouco mais. Na verdade criou-se um clima de irresponsabilidade, que nunca chegou ao mundo do trabalho mas ao mundo duma pretensa intelectualidade vanguardista. O PCP procurou dominar a comunicação social e criou fracturas com todas as forças que se opunham à sovietização.
A propaganda é muito mais fácil do que agir sobre a realidade. É certo que por mais ouvir certas expressões, determinados temas, sempre as mesmas perspectivas sobre eles, uma abordagem continuada, as pessoas que não façam elaboração intelectual própria deixam-se facilmente enredar pela terminologia, pela agressividade contida em expressões aparentemente inócuas, adoptam mesmo a má criação.
Quando o clima já está suficientemente crispado, como sucedeu no Verão de 1975 após a tomada da Rádio Renascença, não há porém propaganda que resista, os campos começam a ficar perfeitamente delimitados, as pessoas são levadas a tomar opções definitivas. O que é de espantar é tudo isso ter levado a uma solução democrática sem incidentes graves.

10 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (6)

Após o 25 de Abril de 1974 todos os partidos procuraram ter a sua influência nas forças armadas, uns mais às claras que outros, uns mais cedo que outros. Como instituição as forças armadas revelaram-se muito difíceis de dominar. Constituíam-na elementos muito heterogéneos, resultado em muito do carácter diferente da forma de angariação de seus quadros permanentes.
Em muitos países o exército permaneceu dominado por famílias poderosas, que viam nele e na Igreja duas excelentes formas de perpetuar o seu poder. Pertencer aos altos quadros do exército é ter entrada na alta sociedade, o brilho dos galões sai muito bem nos salões dourados. No entanto em Portugal o exército quase se podia dizer de origem proletária.
O conjunto mais importante mas desconexo de oficiais veio a manifestar o seu apoio a líderes civis à falta de uma liderança militar que a maioria talvez desejasse. Por efeito de circunstancialismos históricos e pessoais a maioria do apoio haveria de ser dado a Mário Soares. Porém é evidente que Sá Carneiro era desde o início o preferido do grupo mais vasto de militares.
Mas o PCP entrou com relativa facilidade mesmo a níveis insuspeitos, utilizando para isso todos os pretextos e artimanhas para conseguir adesões às suas teses. Com um primeiro-ministro militar obsessivo, embora com uma formação ideológica questionável, foi fácil ao PCP conseguir que o sectarismo lhe desse alguma voz nos quadros superiores além do enquadramento dos seus sectores de milicianos.
O PCP assumiu como sua uma dupla legitimidade democrática e revolucionária. Por um lado participava na criação da constituição necessária para o País, por outro lado utilizava os poderes de facto para actuar na destruição da estrutura da economia e da sociedade. O PS possuidor de uma vasta legitimidade democrática tudo fez para levar a bom termo a democratização no sentido europeu mais consensual.

09 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (5)

O esquerdismo passou a considerar haver uma dupla legitimidade: Aquela que era dada pelo resultado das eleições de 25 de Abril de 1975 para a formação de um Parlamento que redigisse o texto da futura constituição; A legitimidade revolucionária que era dada pelos sucessivos golpes que iam aprofundando os objectivos de “Abril”.
A golpada do 11 de Março é o maior embuste perpetrado no decurso do PREC. Cada erro da direita era aproveitado para fazer avançar um processo que na verdade nunca abandonou o aspecto formal e nunca foi gerido numa perspectiva revolucionária. Os bens mudaram de dono, a sua gestão não mudou significativamente e quando mudou foi o caos.
O Movimento das Forças Armadas criado por duzentos militares para resolver os seus problemas de caserna, aberto no processo a ver as coisas num aspecto mais global, empenhado por fim em alterar a sociedade de forma irreversível par se justificar a si próprio, deixou que a sua própria corporação fosse tomada por uma democracia de base contrária aos seus princípios.
A sociedade não cria forças armadas para elas serem assim geridas. O problema da dupla legitimidade passou a ser fulcral a partir de 25 de Abril de 1974, altura em que as eleições deram uma quase absoluta maioria aos partidos defensores de uma democracia genuína, em detrimento dos grupelhos esquerdistas e mesmo do Partido Comunista e seus aliados mais próximos.
Os partidos vencedores passaram a exigir que as forças armadas os respeitassem e mantivessem uma estrutura hierárquica, acabando com todos as formas de instrumentalização a que vinham a ser sujeitas. Passou a haver forças políticas que representavam a vontade da população e que se opuseram à sovietização do exército.
O PCP imaginou um processo em tudo idêntico ao ocorrido em 1917 na URSS. Só que aí havia um exército em dificuldades mas mobilizado para a guerra contra a Alemanha e que foi possível redireccioná-lo. Aqui havia um exército desmobilizado, desmoralizado, derrotado em todas as frentes, sem saber donde vinha, nem para onde queria seguir.

08 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (4)

Um golpe militar num País em guerra tem implicações inevitáveis na condução da mesma. Só pode levar ao reforço do esforço militar ou então a uma resolução pacífica do conflito. As indecisões, as dúvidas, a falta de clareza na posição dos militares, a dificuldade de assumir compromissos, quais e com quem, levaram a atitudes guiadas apenas pelo senso dos responsáveis.
Deixaram de existir frentes militares, a ânsia de regresso dos militares foi-se propagando, não havia a quem reportar vitórias ou derrotas, institucionalizou-se uma anarquia na qual os movimentos de libertação mais expeditos se foram instalando, tornando quase normal uma passagem de soberania a nível militar, mas a que faltaram os outros elementos duma administração minimamente eficaz.
A deserção que se operou nas colónias foi acompanhada pela difusão da recusa da ida de novos milicianos. Ninguém assumiu a responsabilidade de uma descolonização feita assim, nem ninguém assumiria se assim se não fizesse. Costa Gomes era o comandante de uma navegação claramente à vista, cedendo demasiado às inclinações de momento.
Mas além dessa influência directa que o exército ia tendo na condução da descolonização, as tentativas de lhe dar a consistência necessária para uma acção consequente foram-se gorando. O esquerdismo sempre esperou por oportunidades de interferir na coesão militar e o 11 de Março veio na altura própria, para tentar anular ou influenciar as eleições de 25 de Abril.
Se isto não foi conseguido, houve no entanto uma interferência abusiva na condução da política interna, dando início ao problemático processo de nacionalizações, conhecido como PREC – Processo Revolucionário em Curso. Tudo se tornou inseguro a todos os níveis da sociedade.

07 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (3)

A contenção do PCP até o 28 de Setembro de 1974 tinha-o levado a ter uma certa coerência de actuação no todo nacional. A sua maior força no Sul era contida para que o Norte pudesse libertar-se sem constrangimentos evidentes. No entanto o PCP cedo se apercebeu que no Norte as coisas, a não ser em algumas reservas industriais, nunca seriam iguais às do Sul.
O PCP coibiu-se mesmo de dar projecção aos seus membros e enveredou pelo célebre apoio ao MDP, que, com o seu estatuto frentista sempre teria uma melhor receptividade. Esta é uma estratégia que se manteve com coerência desde as eleições marcelistas de 1969 até às eleições democráticas de 25 de Abril de 1975.
No entanto após o 28 de Setembro o PCP achou-se com mais liberdade para dar mais atenção aos centros de decisão em que as coisas seriam em última instância decididas. E aí utilizava toda a artilharia pesada que entretanto havia adquirido no saldo a que o exército se submeteu. Os compromissos não eram muito sólidos mas a brincadeira não desagradou a quem tinha sido submetido a mais de quarenta anos de sisudez.
Após o falhanço que o MDP constituiu nas eleições de 25 de Abril de 1975, o PCP deixou na prática de se preocupar com esta diferenciação Norte/Sul. Os apelos eram muitos e o golpe de 11 de Março de 1975 permitiu que fossem negligenciados esses resultados. Na prática o PCP descobriu que tinha na mão todas as reivindicações que a estrema esquerda sempre fizera mas que só ele seria capaz de gerir.
O 11 de Março foi outra manifestação de aventureirismo, em que a direita dá todos os pretextos para se desacreditar a si própria e para permitir avanços no domínio indisciplinado dos exércitos.

06 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (2)

De 25 de Abril de 1974 a 28 de Setembro de 1974 o PCP fez uma política de contenção, não raro tendo de se opor às tomadas de posição dos esquerdistas na ocupação de casas, de empresas, no radicalismo em geral. O PCP brandiu constantemente as teorias de Cunhal sobre o esquerdismo burguês radical de fachada socialista.
O exército tinha porém caído no erro de colocar à sua frente o mais populista dos seus generais, Spínola, incapaz de viver sem uma corte de incondicionais a seu lado, desejoso de ser decisivo na implantação em Portugal de um regime presidencialista que achava mais adequado ao nosso carácter demasiado pueril.
Anticomunista primário, como então se dizia, não o escondia e portanto, embora fosse tradição dos partidos comunistas apoiarem estes líderes iluminados, neste caso era manifestamente impossível. O PCP viria a apoiar um militar frio e calculista como Costa Gomes perante o suicídio político que foi aquela ridícula tentativa de golpe popular/palaciano em 28 de Setembro.
Arriscando tudo, Spínola decapitou a direita, obrigada à pior indigência ideológica, a lutar pela sobrevivência de modo quase clandestino. Toda a gente parece ter passado a ter medo de ser contra o Partido Comunista e este aproveitando-se da situação passou a mostrar permanentemente os dentes, mas alternadamente, umas vezes com e outras sem sorriso.
O VI Congresso extraordinário do PCP, convocado para retirar a ditadura do proletariado dos seus estatutos, viu-se na dificuldade de manter a coerência e aprovar as alterações propostas e festejar um acontecimento que, pela primeira vez, lhe abria as portas de um futuro à altura dos velhos estatutos. O PCP em vez de tentar agradar ao exército que havia, passou à tentativa de o manipular e guiar.

05 junho 2008

As razões do nosso esquerdismo (1)

A 25 de Abril de 1974 o PCP era um partido pequeno. Em muitos locais só havia uma certa recordação de tempos passados em que tinha havido alguma luta. Se nada já restava de concreto, tinha ficado a convicção que o PCP logo que houvesse uma réstia de liberdade era capaz de conseguir uma implantação mais ou menos repentina e significativa.
A crise do petróleo de 1973, o boicote prometido dos países árabes ao fornecimento de petróleo a Portugal, a incomodidade dos Países Ocidentais especialmente dos Nórdicos, a mudança que o pragmatismo americano implicou na sua política, o mal-estar do Vaticano manifestado na recepção dos líderes africanos dos movimentos de libertação, levaram os oficiais do Exército a repensarem o seu posicionamento.
O governo seguiu pelo pior caminho, ao tentar captar oficiais milicianos para os seus quadros, favorecendo-os, já que havia voluntários prontos a serem esse género de mercenários, mas já os não havia para seguir uma carreira militar desprestigiada nas Academias. Os filhos não sentiam esse apelo, os pais não corriam esse risco.
O golpe militar foi feito por um exército desacreditado e que enfim teve consciência dessa situação ao ser obrigado por causa múltiplas a repensar-se. Os recursos intelectuais dos seus membros eram poucos e os partidos tentaram fornecer-lhes as cartilhas apropriadas a uma politização rápida e claramente tendenciosa.
O clima libertário que se instalou derivou muito da falta de preparação dos dirigentes da transição. Esse clima não era porém favorável aos interesses do PCP. Mas perante a alternativa spinolista de um presidencialismo assente na força militar e que ainda alimentava ideias imperialistas, o PCP aproveitou o falhanço da maioria silenciosa em 28 de Setembro para acelerar as mudanças.

04 junho 2008

A Alegre jactância de quem procura que lhe segurem o pedestal

É sempre bom picar um poeta como Alegre, para que ele mostre o que tem de melhor. O poeta não pode ser um resignado, mas um revoltado. Depois de tantos anos de resignação, eis que mostrou o seu ar de revolta, o que lhe permitiu projectar melhor a sua voz, sair realçada a sua eloquência que permite que a blasfémia passe como um grito de alma.
Alegre não está a gostar de ver o PS a fazer a política que se impõe para o País na situação que temos, em que as hipóteses alternativas se não vislumbram, pelo menos com a nitidez com que muitos as parecem ver, mas sem terem o trabalho de no-las mostrar.
Alegre gostaria antes que no poder estivesse a direita trauliteira comandada pelo Paulo Portas para poder gritar bem alto a sua indignação. Não sentiria assim o constrangimento que a actual situação lhe provoca e que ele não está na disposição de aceitar.
Alegre sentir-se-á como aquele amante que se sente especialmente penalizado por ser traído com a ajuda de um amigo em vez de um inimigo declarado. Com este não sentiria tanto.
Para Alegre o PS deveria abster-se de afrontar os seus sentimentos e esperar por uma ocasião mais favorável, com melhores ventos, para governar. Ou então deveria abstrair-se da conjuntura e pôr tão só a estrutura económica a garantir os proventos que o poeta se acha no direito de distribuir. Como poderia executar a primeira parte não lhe passa pela cabeça.
Alegre quer ser a reserva moral mor, julga que ser poeta lhe dá o estatuto de julgador agora em parceria com o inefável Louçã. Realmente este não poderia ser melhor escolhido. Só que juntos, a sua soma é negativa. A jactância poética aliada à aleivosia frenética só pode dar asneira.

03 junho 2008

A humildade não é cobardia, nem defesa da honra

Normalmente só os humildes reconhecem a sua ignorância, quando a tem que reconhecer, é verdade. Porque aceitar-se como ignorante para se “libertar” de algum pretensioso mais atrevido parece não ser uma atitude digna, salvo se o indivíduo for mesmo violento e perigoso. Então que passe ao largo.
Mas a sabedoria não é nada de absoluto, só que na sua relatividade não é tanta como certas pessoas pretendem que seja. Além de que há factos inquestionáveis, há factos interpretáveis de modo diferente e há expectativas diversas para as quais se querem encontrar justificações e que levam as pessoas a defenderem diferentes perspectivas do mesmo passado.
Não há humildade em aceitar um erro que é passar por verdadeiro um facto manifestamente falso. Não há humildade em aceitar a interpretação dos outros em detrimento da própria quando não se está convencido dessa razão. Não há humildade em aceitar expectativas erróneas, visões idealistas, pouco solidárias e egoístas.
Porém há quem pense que se pode ser suficientemente humilde para que possa reconhecer sempre, em todas as controvérsias, em todos os conflitos que amiúde se vão desencadeando, que não sabe o necessário para sustentar uma opinião e ser juiz na causa. Pode ser uma pessoa muito louvável mas decerto está a passar à margem da história.
A humildade não é renúncia, porque sempre na sociedade há confrontos, uns mais polidos que outros, uns mais sérios que outros, que nos obrigam a dizer pronto, estamos cá. Não se trata sequer de defender a honra, que essa não passa por aí, não se trata também de ser ou não cobarde, porque esse problema só se porá em cada situação específica.
A humildade é estar, sabendo estar e querendo estar com o empenho de quem se não deixa manietar senão pela inteligência, se os seus raciocínios a ofenderem.

02 junho 2008

As razões da vitória de Sócrates

Nos últimos anos aconteceram casos com que não estávamos habituados a lidar. Guterres, depois de ter feito uma política controversa de gastos desmesurados, nem sempre no melhor sentido, convocou eleições porque lhe faltou um voto.
A dinâmica socialista, assente no favorecimento de uma classe média ambiciosa e na criação de almofadas sociais para os menos favorecidos, colocou Ferro Rodrigues a secretário-geral, o que levou o partido a uma derrota eleitoral vergonhosa, vistos os meios que foram empregues.
Durão Barroso colocou o seu maior adversário de estimação a número dois para o não ter pelas costas e ganhou as eleições com a promessa de choques que não se puderam efectivar. Com a fama obtida como mediador capaz de colocar todas as suas ideias de lado para obter um sucesso imediato, foi escolhido para Presidente da Comissão Europeia.
Ferro fugiu, não resistindo a uma pretensa falta de lealdade de quem lha não devia. Santana ficou, não resistindo ao brilho de uns dias sentado na cadeira do poder. Não tinha sido escolhido, não partilhava de muitas das ideias de quem havia ido a votos, não era capaz de assumir e dar continuidade à dinâmica que vinha do passado, mas não resistiu ao aproveitamento da ocasião e a não correr os riscos de ir a votos.
Santana foi colocada à porta do poder por ter agravado significativamente os problemas de que nós já sofríamos e, o que é mais grave, que eram do conhecimento de todas as pessoas. Se a terminologia criminal se pudesse aplicar à política diríamos que Santana não foi um criminoso involuntário, um criminoso negligente, mas sim um criminoso premeditado.
Sócrates tem tratado dos problemas de toda a gente com o conhecimento de todos. Acima de tudo tem lutado para que se não agravem as disparidades sociais, numa altura em que o governo se vê obrigado a uma política defensiva em todos os aspectos. A política solidária de Sócrates tem mesmo assim permitido algum abuso das classes mais favorecidas, mas isto é tão só a continuação de situações hipócritas do passado.
A hipocrisia de dizer que Sócrates só tem que criar políticas sociais, como se não houvesse outros problemas a resolver, agrada acima de tudo a quem não quer que se revejam os seus privilégios.

01 junho 2008

Um equilíbrio prejudicial à clareza das opções

O equilíbrio obtido pelos três candidatos à liderança do PSD não é de molde a antever tempos fáceis. No entanto, tem uma vantagem sobre outros possíveis resultados, ao relegar Santana Lopes para uma terceira posição, mesmo assim dignificante.
Não se esperam grandes golpes de asa mas conviria que a nova direcção do PSD reassinasse os acordos que havia estabelecido com o PS, seja ao nível fulcral da justiça, seja quanto às leis eleitorais autárquicas.
Só assim conseguiria ganhar uma posição digna e sair do lamaçal em que Meneses meteu o Partido. Não foi esta questão que interessou aos candidatos discutir e aos jornalistas colocar mas seria decerto a posição mais inteligente, mais marcante, mais determinante para avalizar de credibilidade esta direcção e para dar uma garantia da seriedade com que no futuro terá que ser exercida a actividade política.
O tempo corre contra Ferreira Leite e, se não o aproveita convenientemente, não dará à sua política o grau de previsibilidade que tem faltado ao PSD. E isso só se consegue se o Partido abandonar a procura estéril do conflito pelo conflito, que o faz desviar do que é essencial, de ter uma linha de acção própria.
Cada partido tem que definir à sua maneira um interesse público capaz de servir de orientação para a sua acção futura. Se o PSD o não fizer vê-lo-emos dentro de pouco tempo de novo atolado no lodaçal das suas contradições internas, das ânsias de protagonismo, das ambições desmedidas daqueles que nunca se vão dar por vencidos.

Aqui pode vir a falar-se de tudo. Renegam-se trivialidades, mas tudo depende da abordagem. Que se não repise o que está por de mais mastigado pelo pensamento redondo dominante. Que se abram perspectivas é o desejo. Que se sustentem pensamentos inovadores. Em Ponte de Lima, como em todo o universo humano, nada nos pode ser estranho.

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"Big Man" 1998 (1,83 de altura) - Obra de Mueck

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